Jorge apressava-se
para chegar à casa da Carina. Ele sabia que outros irmãos da igreja também
estariam presentes. Era aquele grupinho de sempre, cuja amizade começou a ser
fortalecida no tempo da instrução de confirmandos e da juventude mirim. Caramba,
Jorge pensou, já faz 10 anos desde que nos confirmamos!. Ao entrar na
casa da sua amiga, Jorge percebeu que era o último a chegar. A Ingride, o
Bernardo e o Mikael já estavam lá, também o Toni e a Débora.
– Boa noite, Jorge, estávamos esperando por você para
começarmos nosso estudo. – expressou o pastor Silva em tom alegre e fraterno. Jorge
ficou surpreso ao ver que o pastor chegara antes dele. Rapidamente tomou um dos
assentos na sala da Carina e abriu a sua Bíblia no texto que o pastor já tinha
lhes passado para ler em casa.
– Pessoal, conforme eu indiquei o texto
bíblico para vocês, vamos refletir hoje sobre “o verdadeiro irmão mais velho”,
na parábola conhecida como o “filho pródigo”. O pastor Silva também
gostava de falar de suas fontes de pesquisa. – Timothy Keller escreveu um livro
muito inspirador, o Deus pródigo. Ele mesmo foi influenciado por um sermão que
ouviu do Dr. Edmund P. Clowney. Da mesma forma, o estudo de hoje é inspirado
nessas obras!
Aqueles
jovens tinham sempre uma grande expectativa por cada estudo bíblico que o
pastor ministrava. Ele se esforçava em sua pesquisa bíblica e também em fontes
secundárias para oferecer sempre o melhor que podia. Parecia que havia sempre
uma grata surpresa, uma sensação de que havia sempre algo novo a aprender, um
aspecto não explorado do Evangelho de Jesus. Talvez fosse a isso que
seguidamente o pastor fazia menção, “o evangelho das insondáveis riquezas de
Cristo” (Ef 3.8), a mensagem da boa notícia, cuja riqueza de compreensão não se
esgota. Há sempre uma compreensão mais profunda a ser percebida.
Jorge tinha
essa expectativa nesta oportunidade de estudo. Ele observava com atenção a
mesma expectativa no rosto de cada um daqueles participantes. Mesmo ao relerem
o texto de Lucas 15.1-3, 11 -30, a história contada por Jesus, na qual o pastor
sempre apontava que seria melhor intitulada como “a parábola dos dois filhos
perdidos”. Apesar de ser uma parábola conhecida, Jorge sabia que sairia daquele
estudo ainda mais impactado pela graça de Deus.
Como sempre,
o pastor expunha o contexto da parábola. Destacou que o evangelista Lucas fazia
questão de ressaltar que havia dois grupos de pessoas que se reuniam para ouvir
Jesus. Havia os “publicanos e pecadores” e havia o segundo grupo de ouvintes,
que era formado pelos “fariseus e mestres da lei”. Na sequência da ambientação
histórica, o pastor interrompeu os pensamentos do grupo com uma breve, mas
importante aplicação:
– Meus
irmãos, quero de início expor que esses dois grupos estão representados nos
dois filhos da parábola que Jesus contou. Os publicanos e pecadores
correspondem ao irmão mais novo. Eles não observam as regras, as leis da
Bíblia, que os judeus religiosos seguiam. Assim como irmão mais novo, eles
“saíram de casa” ao abandonar a moralidade tradicional de suas famílias e da
sociedade respeitável. Os fariseus e mestres da lei são representados pelo
irmão mais velho. Esse grupo está associado ao cumprimento rigoroso da
moralidade como uma maneira de ter a aprovação diante de Deus e poder barganhar
com ele. Externamente, você não encontraria pecados na vida desse segundo grupo.
Além disso, cada grupo reage de uma forma diferente. O texto diz, no início,
que os pecadores se aproximavam de Jesus. Este verbo “aproximavam-se” tem um
aspecto progressivo e nos passa a ideia de que a atração dos irmãos mais novos
por Jesus era um padrão frequente em seu ministério. Isso deixava o outro grupo
muito intrigado, a ponto de reclamarem: “Este recebe pecadores e come com
eles”. Fazer uma refeição com alguém, naquele tempo, era uma expressão de
aceitação.
Jorge estava
refletindo sobre essa ambientação histórica da parábola. Na verdade, ele ainda não
havia feito tal associação entre os dois grupos que se reuniam para ouvir Jesus
e os dois filhos. Mas havia lógica nessa aplicação, pois Jesus era um bom
comunicador e, certamente, era seu desejo impactar seus primeiros ouvintes
dessa história. Mas sobre o que Jorge não havia refletido ainda era a pergunta que
o pastor fez ao grupo:
– Para quem
Jesus dirigiu essa parábola?
Após
comentários dos presentes, o pastor os desafiou a pensar:
– Quero que
vocês pensem na possibilidade de Jesus estar dirigindo o ensino dessa parábola
ao segundo grupo, formado pelos fariseus e escribas!
Agora
estava ficando interessante, pensou
Jorge. O alvo dessa parábola não seria os pecadores rebeldes mas as pessoas
religiosas que faziam tudo para obedecer à Bíblia! Estava claro que a parábola
tinha duas partes. A primeira parte falando do “filho mais novo perdido”, e a
segunda, do “filho mais velho perdido”. Os presentes tinham consciência de que
a primeira parte sempre era mais enfatizada e aplicada em todas as mensagens
que já ouviram. Mas a expectativa crescia ao tentarem compreender o argumento do
pastor de que o alvo de Jesus era o segundo grupo!
– Irmãos, – enfatizou
o pastor – quero que vocês percebam que não apenas o filho mais novo
desrespeitou o seu pai, mas também o filho mais velho. Ambas posturas expressam
a tentativa que existe no ser humano de obter a sua alegria, satisfação,
redenção à sua própria maneira. Não funciona, não resolve. Veremos que Jesus
nos oferece a alternativa radical a essas duas posturas.
A exposição
bíblica e os comentários do pastor, então, transcorreram primeiramente sobre o
filho mais novo, contrastando sua rebeldia com a postura amorosa do pai. Os
ouvintes originais devem ter achado estranho quando o filho fez um breve pedido
ao pai: Quero a minha parte na herança. Não porque ele não tivesse
direito. Mas a partilha ocorria naturalmente após a morte do pai. Naquele
tempo, o filho mais velho sempre recebia o dobro de seus irmãos. No caso de serem
dois filhos, o mais novo receberia um terço da herança. Pedir a herança de
imediato e com o pai ainda vivo era um sinal de desrespeito muito grande. Era
como se desejasse que seu pai estivesse morto. Como ele não tinha morrido, o
filho mais novo se cansou de manter as aparências com seu pai e pede pelas suas
posses. Queria partir. O relacionamento com seu pai não importava. O
surpreendente foi a atitude do pai: E o pai repartiu os bens entre eles. O
pastor explicou que a palavra grega traduzida como “bens” era bios, que
significa vida. Seria como quase toda a sua vida. Havia outras palavras
para expressar “bens”, mas Jesus escolheu essa. No texto, bios tinha o
sentido daquilo que você precisa para viver. Provavelmente aquele pai teria que
vender grande parte de suas propriedades para dar a herança ao seu filho.
Jorge
continuava a ponderar em cada palavra do texto bíblico. A narrativa da
trajetória do filho pródigo era bem conhecida, o fracasso dele em conseguir sua
realização do seu próprio jeito, a sua volta humilhante e o contraste tremendo
que Jesus expôs na postura de acolhimento do pai diante do retorno do filho.
Jorge navegava em seus pensamentos tentando visualizar a cena de amor daquele
pai, quando então o pastor fez uma parada na exposição:
– Vejam que
nessa primeira parte Jesus está ressaltando a gratuidade da graça de Deus. Mas
agora percebam que na segunda parte veremos o preço dessa graça e o ponto alto
dessa história!
Quase que
espontaneamente, Carina interrompeu a fala do pastor e perguntou:
– Por que o
filho mais velho ficou tão furioso, pastor? Para dizer a verdade, eu também
ficaria indignada com a atitude do filho mais novo. Ele havia desrespeitado seu
pai, gastado sua parte da herança, e agora é recebido novamente como um filho.
Imagino que como filho ele voltaria a ter “direitos” na herança! Isso é justo?
– Excelente colocação,
Carina – expressou o pastor. – Vocês lembram aquele estudo que fizemos sobre o
ladrão que foi crucificado com Jesus e que foi salvo no último momento?
– Caramba,
aquele estudo rendeu, hein, pastor? – expressou Toni. – Naquela ocasião muitos
membros ficaram indignados com o fato de que era injusto um bandido passar a
vida fazendo coisas erradas e ser salvo no último momento!
– Bem
lembrado, Toni – completou o pastor. – Aquela reação dos membros expressa que
muitas vezes temos uma certa queda para o espírito do filho mais velho. Ele
levava a sério a sua obediência ao pai, a ponto de dizer: “nunca transgredi um
mandamento seu”. Vejam que não são os pecados explícitos do irmão mais novo que
impedem o irmão mais velho de participar do convite que o pai faz para entrar e
festejar no banquete. Ele nunca transgrediu as ordens do seu pai. Era justamente
seu orgulho que o impedia. Não são as transgressões das regras, mas a sua
retidão que o impede de partilhar do banquete do pai. Lutero expressou que o
ser humano “quer alegrar-se em suas obras e adorar a si mesmo como ídolo”. O
orgulho e a presunção são pecados contra o Primeiro Mandamento, expressava
Lutero. Eles não roubam somente a Deus sua honra divina, mas são também um
insulto ao próximo. O fariseu não peca somente contra a fé, mas também contra o
amor.
Ingride era
muito inteligente, mas muito reservada. Mesmo assim, não se conteve e
expressou:
– Na
verdade, pessoal, no fundo é a ideia de que somos como as pessoas boas da
história! Somos bons estudantes, cidadãos, bons membros da igreja. Então,
quando algo errado acontece em nossa vida, estragando nossos planos e a tentativa
de ter tudo e todos sob controle, ficamos irritados, irados com Deus. Algo como
se disséssemos para ele: “Não era esse o acordo, Deus! Eu sou a mocinha! O que
eu fiz para merecer isso?”
– Bem
observado – expressou o pastor com grande ânimo.
Todos
ficaram bem pensativos com as palavras da Ingride. Então o pastor continuou a
exposição bíblica da segunda parte da parábola, colocando algumas características
do filho mais velho.
– Vejam,
irmãos, o filho mais velho queria a mesma coisa que seu irmão. Ele queria os
bens, mas não queria o relacionamento com seu pai. Ao dizer que nunca
desobedeceu às ordens do pai, enxergo aí uma cobrança sutil, como Ingride
expressou antes. Na verdade, o coração de ambos os filhos era igual. Eles não
queriam saber da autoridade do pai, queriam escapar dela. Os dois queriam estar
em uma posição para dizer ao pai o que fazer. Em nossa vida também é assim. Se
você não está descansando na providência de um Deus amoroso e soberano, que
sabe o que está fazendo em sua vida, mesmo quando você não compreende, você
estará tentando, de alguma forma, estabelecer o seu próprio governo. Como
pseudosoberanos, expressou Paul Tripp, odiamos espera, desapontamentos,
obstáculos e falhas. É difícil descansar no governo do Rei quando o nosso
coração e mente estão preocupados com o sucesso de nossos próprios reinos
pequeninos.
– Por isso
ficamos tantas vezes zangados, indignados, como aquele filho mais velho – expressou
Bernardo. – Isso
mesmo, Bernardo. Vejam que todas as palavras do filho mais velho transbordam
ressentimento. É um dos sintomas que se observa num espírito de filho mais
velho, ou seja, quando sua vida não acontece da forma desejada. Fica-se
pesaroso, com uma profunda ira e grande amargura. Outro sinal de um espírito do
irmão mais velho é o medo. “Faz tantos anos que trabalho como um escravo para o
senhor e nunca desobedeci a uma ordem sua”, disse ele. Mas o filho mais velho
mostra que sua obediência ao pai nada mais era do que mero dever. Não há
alegria nem amor, não o vemos se sentir grato por ver o pai satisfeito. Irmãos
mais velhos vivem uma vida correta por causa do medo, não por alegria e amor.
Jorge então
expressou:
– O que eu
vejo também nesse filho mais velho é a falta de certeza em relação ao amor do
pai. Pois ele expressou: “O senhor nunca me deu um cabrito sequer para fazer
uma festa com os meus amigos”. Não há dança nem alegria na relação do filho
mais velho com seu pai.
– Muito bom,
Jorge – acrescentou o pastor. Pois enquanto alguém estiver tentando merecer a
salvação por meio da tentativa de controlar Deus com suas boas ações e
comportamento, jamais terá certeza de que é bom o suficiente para Deus.
Simplesmente não terá certeza se Deus o ama e se rejubila com ele. Nesse
contexto, vejo que um sinal muito claro dessa falta de segurança é uma vida
estéril de oração. Os irmãos mais velhos podem ser disciplinados quanto ao
horário das orações, mas apesar de toda religiosidade não há relacionamento
pessoal, íntimo, espontâneo e prazeroso com Deus. Os irmãos mais velhos do
mundo precisam desesperadamente ver o próprio reflexo no espelho. Jesus
direcionou essa parábola primeiramente aos fariseus, para mostrar a eles como
realmente eram e para destacar a necessidade de mudança. O filho mais novo
sabia que estava distante do pai, mas o filho mais velho não sabia. E é por
isso que a perdição do filho mais velho é tão perigosa. O fariseu não vai a
Deus e implora pela cura da situação em que se encontra. Ele não encontra nada
de errado em sua condição, e este pode ser um erro fatal.
Naquela
altura do estudo, Jorge sabia que estavam se encaminhando para o ponto alto da
exposição, especialmente por causa da pergunta que o pastor fez na sequência:
– Do que o
ser humano precisa para se livrar das amarras da perdição, seja sua postura
como a do filho mais novo ou mesmo a do filho mais velho?
– Penso que
a primeira coisa que precisamos é o amor acolhedor de Deus. Pois eu percebi, na
parábola, que o pai vai ao encontro dos dois filhos e expressa seu amor por
eles a fim de convencê-los a participarem do banquete – expressou Mikael.
– O que é
chocante – expressou o pastor – é que Jesus se dirigia aos líderes religiosos
que o entregariam às autoridades romanas para ser executado. No entanto, o
filho mais velho não recebe uma repreensão dura, mas uma súplica amorosa para
deixar a raiva e o farisaísmo e ir festejar com eles pela volta do irmão! Além
do amor acolhedor de Deus, nós precisamos também do arrependimento. Vejam que
arrependimento não é levar uma lista de coisas erradas a Deus e dizer que se
arrepende por cada item da lista. Não. É muito mais do que isso. Na verdade, a
lista do filho mais velho seria vazia! Ele disse que nunca tinha desobedecido!
Ele não enxergava seu orgulho. E como vimos antes, orgulho é o pecado contra o
primeiro mandamento! O problema do filho mais velho era seu farisaísmo, o modo
como ele usava seu histórico moral para colocar Deus e as outras pessoas em uma
posição de dúvida e para poder controlá-los, para que fizessem o que ele
desejava.
Então o
pastor deu a cartada final.
– Há mais
uma coisa de que precisamos, além do amor acolhedor de Deus e do
arrependimento, a fim de participarmos do banquete de Deus. O que seria?
A essa
altura, Jorge e os demais participantes do estudo estavam totalmente absortos
pelo enredo. Continuou o pastor:
– Vemos que
Jesus contou não uma, mas três parábolas aos fariseus que estavam reclamando do
relacionamento de Jesus com os publicanos e pecadores. Existem semelhanças bem
óbvias nas três parábolas. Vamos identificar juntos quais são elas?
– Em cada
parábola há algo perdido, a ovelha, a moeda, os filhos! – exclamou Carina.
– Nas três
parábolas, aquele que perdeu recupera o que tinha perdido e faz uma festa – expressou
Toni.
– Exatamente
– confirmou o pastor. – Cada uma das parábolas termina com uma nota de júbilo
festivo e de celebração quando o que se tinha perdido foi recuperado!
Entretanto, há uma diferença gritante entre a terceira parábola que estamos
estudando e as duas primeiras. Vocês saberiam me dizer qual é?
Ingride
arriscou uma resposta:
– Nas duas
primeiras parábolas, a pessoa que perdeu “vai atrás” e busca com dedicação pelo
objeto perdido.
– No ponto,
Ingride! – elogiou com entusiasmo o pastor. – Imagino os primeiros ouvintes de
Jesus ouvindo essas histórias. Eles ouviram a primeira, ouviram a segunda
parábola, e ao ouvir a terceira, certamente ficaram na expectativa: “Muito bem,
vamos ver quem vai em busca do filho mais novo perdido!”. Mas isso não
acontece! Penso que Jesus queria que fosse assim! Imagino que Jesus queria que
seus ouvintes pensassem por um instante quem iria atrás do filho mais novo
perdido, uma vez que nas duas anteriores se buscou o que se havia perdido!
– As pessoas
esperavam que o pai fosse atrás? – perguntaram todos quase que ao mesmo tempo.
– Não! – respondeu
enfática e animadamente o pastor. – Quem deveria ter ido atrás era o seu irmão
mais velho! É isso que um verdadeiro irmão mais velho faria. Ele teria dito ao
seu pai: “Pai, meu irmão mais novo foi um tolo, e agora sua vida está toda
arruinada. Mas eu vou viajar para procurá-lo, para trazê-lo de volta para casa.
E mesmo que a parte dele da herança tenha terminado – o que eu imagino – vou trazê-lo
para casa com o meu próprio dinheiro”.
– Vejam, – continuou
o pastor – era somente com a ajuda do irmão mais velho que o irmão mais novo
conseguiria voltar. Vocês lembram que o “pai repartiu os bens entre os dois”?
Tudo havia sido repartido. O filho mais novo tinha recebido um terço e gastou
tudo. Dessa forma, quando o pai diz para o filho mais velho: “Tudo o que eu
tenho é seu”, estava falando literalmente a verdade! Cada centavo que continuou
com aquela família pertencia agora ao filho mais velho. Cada roupa, anel, cada
novilho gordo era seu por direito!
– É por isso
que o senhor disse que a segunda parte fala do preço do perdão! – interferiu
Débora.
– Assim, –
continuou o pastor – muitas vezes somos tentados a pensar que a readmissão do
filho mais novo não envolveu qualquer sacrifício expiatório, que não teve custo
algum. O filho mais novo queria fazer uma restituição, mas o pai não aceitou.
Ou seja, o perdão e o amor sempre precisam ser gratuitos, a graça é incondicional.
E é verdade, mas não toda a verdade. O perdão é livre e incondicional para o
criminoso, mas tem um grande custo para quem o perdoa. A misericórdia e o perdão
são oferecidos por Deus de forma gratuita. Se o transgressor tem de fazer algo
para merecê-los, então não se trata de perdão. O perdão sempre tem um custo
para a pessoa que o concede. A readmissão do filho mais novo não teve custo
para ele, mas teve um custo enorme para o filho mais velho. O pai não poderia
simplesmente perdoar o filho mais novo, alguém tinha de pagar a conta!
Ingride
então interrompeu o pastor e perguntou:
– Mas por
que Jesus não retratou um irmão mais velho ideal nessa parábola, um irmão que
estivesse disposto a pagar qualquer preço para buscar e salvar seu irmão
perdido?
– Ingride,
irmãos, – respondeu o pastor – é doloroso, em vez de um irmão, o filho mais
novo tinha antes um fariseu ao seu lado. Mas nós não temos. Ao retratar o filho
mais velho como o errado na história, Jesus nos convida a imaginar e desejar
por um verdadeiro irmão mais velho.
– E este,
sim, nós temos – continuou o pastor. Pense no tipo de irmão de que precisamos.
Precisamos de um irmão que vá não apenas ao país vizinho em nossa busca, mas de
um que percorra tudo que existe por nós. Precisamos de um irmão que queira
pagar não ouro e prata, mas que, a um custo infinito, com seu próprio sangue
nos devolva à família de Deus, já que nossa dívida jamais conseguiríamos pagar.
Seja como irmãos mais velhos, seja como irmãos mais novos, nós nos rebelamos
contra o Pai. Merecemos o distanciamento de Deus (Rm 3.23), o isolamento e a
rejeição. O argumento da parábola é que o perdão sempre envolve algum custo –
alguém tem de pagar. Não havia meio que fizesse com que o filho mais novo
retornasse à família, a menos que o mais velho assumisse esse custo. Jesus é o
nosso verdadeiro irmão mais velho; ele assumiu e pagou a nossa dívida, na cruz,
em nosso lugar. Nas palavras de Keller, “lá, Jesus ficou nu de suas roupas e de
sua dignidade, para que pudéssemos ser cobertos com a dignidade e a importância
que não merecemos. Na cruz, Jesus foi tratado como um pária para que pudéssemos
ser admitidos na família de Deus, de forma livre, por meio da graça. Lá, Jesus
bebeu do cálice da justiça eterna para que pudéssemos beber do cálice da
alegria do Pai”. Não havia e não há outra maneira de o Pai celestial nos trazer
para perto de si, a não ser às custas de nosso verdadeiro irmão mais velho.
O estudo
havia terminado, todos se despediram. Jorge estava voltando para casa em meio a
ricos e iluminados pensamentos. Continuou a pensar nas várias implicações da
parábola. Pensava no quanto Jesus era um expert como contador de histórias,
pensava no amor incondicional do Pai, na necessidade de arrependimento da
tentativa de achar nossos próprios caminhos, seja por viver segundo nossas próprias
regras ou pela religiosidade vazia ou moralismo. Mas especialmente pensava no
custo de nosso resgate através do verdadeiro irmão mais velho. Era o período da
Epifania, e o pastor gostava de enfatizar que a graça de Deus chega aos que
estão fora do povo da aliança, como ocorreu com os magos do distante oriente.
Será que a presença de “irmãos mais velhos” retratados por Jesus na parábola
levaria tantas pessoas a gostar de Jesus mas não gostar da igreja? Enfim, muitos
pensamentos rondavam a mente de Jorge. Ele estava feliz, pois no dia seguinte
iria se encontrar novamente com seu grupo para conversarem sobre as implicações
práticas desse estudo, tanto para suas vidas quanto para a vida da igreja
local. Isso porque as palavras finais do pastor ainda estavam ecoando em sua
mente: Jamais deixaremos de ser irmãos mais novos ou irmãos mais velhos
enquanto não reconhecermos nossas necessidades, pecado, enquanto não
descansarmos pela fé e enquanto não admirarmos a obra de nosso verdadeiro irmão
mais velho, Jesus Cristo. Se o Senhor do Universo nos amou o suficiente
para suportar tudo aquilo por nós, o que eu preciso temer? – pensou Jorge...