O Rei Leão: O ciclo da vida se desenrola na savana africana a partir do nascimento de Simba (JD
McCrary/Donald Glover), filho do poderoso rei da selva Mufasa (James Earl
Jones) e sua rainha Sarabi (Alfre Woodard). Espreitando nas sombras está o
irmão de Mufasa, Scar (Chiwetel Ejiofor), que, com o nascimento de Simba, não é
mais o primeiro na sucessão ao trono. O manipulador Scar assassina seu irmão
Mufasa com a ajuda de um clã de hienas, liderado por Shenzi (Florence Kasumba),
Kamari (Keegan-Michael Key) e Azizi (Eric André), ao causarem um estouro de
animais selvagens. Scar convence Simba de que a morte de Mufasa foi culpa do
garoto, e o leão-príncipe foge com medo de enfrentar sua mãe e o resto do grupo.
Com Mufasa morto e Simba dado como morto, Scar torna-se rei dos leões e, juntamente
com o clã de hienas, arruína o delicado equilíbrio da savana por meio da caça
excessiva. Enquanto isso, Simba cresce, atingindo a maturidade e, com a ajuda
de seus amigos, decide voltar para casa para enfrentar Scar, recuperar seu
lugar de direito como rei do grupo, restaurar o delicado equilíbrio da savana e
garantir que o “ciclo da vida” não seja interrompido.
O Rei Leão, que, novamente, tem o roteiro fortemente baseado em Hamlet, de
Shakespeare,em geral parece seguir de perto a animação ganhadora do
Oscar de O Rei Leão (1994), até mesmo reproduzindo alguns trechos
quadro a quadro. Mas isso não acontece com o filme como um todo. Enquanto eles parecem
semelhantes na superfície, um olhar mais cuidadoso vai encontrar diferenças notáveis.
A nova estética de
animação realística por computador, utilizada no filme, parece algo extraído
diretamente das câmeras de documentários da National Geographic; no entanto,
por mais impressionante que isso seja, o filme é menos colorido que a animação
em quadrinhos do original. Esta nova abordagem, na verdade, rouba da história seu
aspecto de conto de fadas/história infantil, esvaziando o filme de muito de sua
vida e energia. Além disso, a animação original em desenho animado proporcionava
uma versatilidade incrível na representação das emoções e motivações dos
personagens.
As limitações do
fotorrealismo não fornecem a personagens como Zazu (John Oliver), Scar e Simba
uma vasta gama de emoções, porque há um número limitado de expressões faciais que
pássaros e leões reais podem fazer, ao contrário da animação tradicional, onde
os cartunistas têm muito mais liberdade e flexibilidade para imitar expressões
faciais humanas em seus desenhos. Isso ajuda a realçar as performances de voz a
partir do que os atores gravam no estúdio. Devido às suas limitações, a
animação fotorrealista, na verdade, acrescenta pressão sobre os atores de voz
para que compensem a diferença. Como resultado, muitos dos dubladores parecem monótonos
e sem emoção quando comparados ao trabalho de voz do filme original. Isso pode
ser especialmente notado ao comparar Zazu, do filme original, dublado por Rowan
Atkinson, versus John Oliver, no novo filme. Assim, enquanto as realizações
técnicas da animação por computador podem ser celebradas, esta mesma conquista
coloca em dúvida a necessidade real de um remake.
Os Estúdios Disney, para ser justo, veem a necessidade do projeto por causa de sua
rentabilidade, uma vez que ele deve arrecadar mais de um bilhão de dólares nas
bilheterias, ampliando ainda mais os remakes “ação ao vivo” em seu catálogo de
animação popular.
Como no desenho
original, os espectadores cristãos devem estar cientes do que o filme ensina
espiritualmente. Existem dois pontos de vista espirituais aparentemente
concorrentes. Primeiro, o filme está enraizado no Animismo, uma espiritualidade
pagã representada aqui pela ideia de que os espíritos dos mortos habitam o
mundo natural. Nas duas versões do filme, isso é mostrado na ideia de que as
estrelas no céu são, na verdade, os espíritos de reis bons que faleceram. Quando
filhote, Simba aprende isso com Mufasa e, mais tarde, quando ele precisa se
lembrar de quem ele é, o espírito de Mufasa fala com o filho, aparecendo no céu
noturno em meio a uma tempestade de relâmpagos. Essa comunicação entre o falecido
Mufasa e Simba acontece sob a supervisão do babuíno Rafiki, que faz o papel de
xamã (John Kani). O cristianismo não ensina esse tipo de existência pós-morte,
onde os espíritos ficam alojados no mundo natural, e proíbe o contato com os
espíritos dos mortos (Dt 18.10-13, Is 8.19). Além disso, a Escritura ensina que
este é um limite que os mortos não conseguem cruzar (Lc 16.27) e que os mortos
não têm conhecimento da vida (Jó 14.1-2, 21); “Para aquele que está entre os vivos há esperança, porque mais vale um
cão vivo do que um leão morto. Porque os vivos sabem que vão morrer, mas os
mortos não sabem nada e não têm nenhuma recompensa a receber, porque a memória
deles jaz no esquecimento” (Ec 9.4-5). Enquanto a Escritura fala da “grande
nuvem de testemunhas”, no livro de Hebreus (Hb 12.1), e as confissões luteranas
não proíbem orações pelos mortos (Apologia artigo XXIV [94]), não há nenhum
comando ou incentivo da Bíblia para buscar o tipo de conversa encontrada em ambos,
O Rei Leão (1994) e O Rei Leão (2019), entre o
falecido Mufasa e seu filho Simba. Na verdade, a Escritura desencoraja esta
prática.
Alguns espectadores
podem ver uma analogia na conversa de Mufasa e Simba com o relato bíblico de
Deus Pai falando com seu Filho de dentro da nuvem no batismo de Jesus; ou, mais
tarde, no monte da Transfiguração. Esta analogia é fraca quando se considera
toda a história apresentada em O Rei Leão. Mufasa é um leão vivo que
morreu, e Deus, o Pai, é Deus somente; ele não morreu na tentativa de poupar a
vida de seu Filho. Deus Pai nunca morreu. Novamente, filmes tais como O Rei
Leão incentivam este tipo de abordagem antibíblica animista sobre os
mortos, e cristãos e famílias que assistirem a eles precisam estar cientes
desta preocupação, enquanto lembram que tentar fazer a “peça redonda” do filme encaixar
no “buraco quadrado” do Cristianismo é inútil. Assim, mesmo que Simba seja uma espécie de figura salvadora, ele não precisa
ser comparado a Jesus, e seu relacionamento com Mufasa também não precisa de
ser comparado com a relação entre Jesus e Deus Pai, uma vez que esta analogia quebra
facilmente. Dito isso, assim como no filme original, a relação de pai e filho
entre Mufasa e Simba é calorosa e positiva, ao contrário de muitos filmes de
Hollywood que apresentam pais distantes, abusivos, ineptos ou ausentes. Esse
elemento positivo do filme pode ser elogiado sem fazer analogias forçadas com
Jesus e Deus Pai.
O segundo ponto de
vista espiritual apresentado em O Rei Leão é um materialismo naturalístico
antiespiritual. Perto do início do filme, quando Mufasa e o jovem Simba olham
para o reino juntos, Mufasa explica o ciclo da vida e da natureza do mundo em
que vivem, com base em simples naturalismo materialista. Aranhas, elefantes e
antílopes são mostrados enquanto Mufasa explica o delicado equilíbrio da vida
na savana; e quando ele diz a Simba que todos eles precisam ser respeitados, o
filhote pergunta: “Mas não podemos comer o antílope?”, Ao que Mufasa responde ,
“Sim, mas, quando morremos, nós nos tornamos grama; e os antílopes comem grama”.
Esse ponto de vista também é enfatizado quando Mufasa diz: “Tudo o que a luz
toca pertence ao nosso reino. Mas o tempo de um rei como governante nasce e se põe,
como o sol. Um dia Simba, o sol vai se pôr no meu tempo aqui, e vai nascer para
você como o novo rei”. Ao que Simba pergunta ao pai: “Tudo isto me pertence?”.
Mufasa responde: “Isto não pertence a ninguém, mas será sua responsabilidade
protegê-lo. Tudo o que a luz toca... enquanto outros olham para o que podem
pegar para si, um verdadeiro rei procura aquilo que ele pode doar aos outros”.
Observe bem esta
fala, “Não pertence a ninguém”. Ela não aparece na versão de 1994. No desenho
original, quando Simba pergunta: “Um dia tudo isto será meu?”, Mufasa responde:
“Tudo. Tudo o que a luz toca”. O espectador cristão vai perceber que tanto o
original como esta nova adição estão em desacordo com a sua confissão de fé (Sl
24.1, Sl 89.11, 1Co 10.26), e vai lembrar de passagens da Escritura onde Deus
diz: “Pois são meus todos os animais do
bosque e o gado aos milhares sobre as montanhas. Conheço todas as aves dos
montes, e são meus todos os animais que vivem no campo. Se eu tivesse fome, não
teria necessidade de dizê-lo a você, pois meu é o mundo e a sua plenitude” (Sl
50.10-12). Dizer que o cerrado africano não pertence a ninguém é como dizer que
não há Deus, não há um Criador, não existe nenhuma autoridade suprema acima dos
reis e fora do equilíbrio do naturalismo materialista, que deve ser mantido
para o bem de todos e a continuação ininterrupta do “círculo da vida”. Outro
tema aparece quando os personagens de Timão (Billy Eichner) e Pumba (Seth Rogen)
– amigos leais, porém tolos, de Simba – apresentam o tempo como uma linha reta
com um início, meio e fim, onde alguém pode deixar o passado para trás e seguir
em frente. Embora este ponto de vista seja, na verdade, considerado tolo dentro
do filme, os cristãos compartilham desta compreensão do tempo; ele não é um
círculo, mas uma linha reta levando ao Último Dia e à Eternidade.
A maior parte da filosofia
do “viver a vida hoje, sem preocupações” de Timão e Pumba é, de fato, tola (1Co
15.32b), mas eles são personagens que satirizam Simba por suas crenças animísticas
a respeito das estrelas, que seriam os espíritos de reis mortos vigiando o
mundo. Pumba objeta porque ele acha que as estrelas são “bolas de gás queimando
a bilhões de quilômetros de distância”, enquanto Timão pensa que são “vaga-lumes
que ficaram presos naquela grande coisa preto-azulada [o céu noturno]”. Este é
um bom exemplo de como o filme contém dois pontos de vista espirituais
aparentemente concorrentes, baseados em uma crença comum de que não há Deus
cristão. Qualquer coisa que tente se aproximar das crenças cristãs no filme falha
a conseguir relacionar-se com a expectativa da mordomia geral da natureza (Gn 1.28-30,
2.15) e no manter a segunda tábua da lei, a qual condena abuso de autoridade,
assassinato, roubo, mentira e cobiça como males que precisam ser denunciados e
combatidos. O público poderá notar Beyoncé cantando “seja um com o Grande Eu
Sou”, enquanto Simba corre para enfrentar Scar perto do final do filme. Mesmo
que isso possa soar bíblico (Êx 3.14), a canção “Spirit” também inclui letras
como: “as estrelas se reúnem ao seu lado”, e é, na verdade, apenas mais Animismo.
Filmes
direcionados a crianças e famílias precisam ser levados a sério como filmes
destinados a adultos, se não ainda mais. Assim como outros filmes, O Rei Leão ensina ao espectador
filosofias e ideias que ou coincidem com ou contradizem o que a Bíblia ensina.
Famílias que assistirem a O Rei Leão vão desejar ter uma conversa
sobre o que os cristãos creem, ensinam e confessam sobre a vida, a morte, sobre
a mordomia da Terra, e também a quem o mundo, em última análise, pertence. Teologicamente
falando, o filme amplifica o conteúdo problemático do original por investir ainda
mais em suas ideias animísticas e materialistas. Artisticamente, o filme
original de 1994 continua sendo superior, e o público que assiste a O Rei Leão, de 2019, descobrirá
que, embora ele tenha seus bons momentos, carece do talento visual e do charme
do original.
Confira
entrevista sobre esta temática com os pastores Ted Giese e Lucas Albrecht no
Podcast da Rádio CPT https://soundcloud.com/radiocristoparatodos/revista-cpt-uma-analise-do-filme-o-rei-leao-14082019-radio-cpt
*Rev.
Ted Giese é pastor senior da Mount Olive Lutheran Church, em Regina,
Saskatchewan, Canadá. É colaborador das revistas luteranas The Canadian Lutheran e Reporter, e faz críticas de
cinema para o programa de Rádio “Issues Etc.”. Siga o pastor Giese no Twitter @ RevTedGiese .
*Rev. Lucas André Albrecht
é pastor na Mount Olive Lutheran Church, em Regina, Canadá.
The Lion King: Live Action (2019); Director: Jon Favreau; Writers:
Jeff Nathanson (screenplay by), Brenda Chapman (Story by), Irene Mecchi,
Jonathan Roberts, Linda Woolverton (Characters); Stars: James Earl Jones, Donald Glover, Beyoncé, Chiwetel Ejiofor,
John Oliver, Seth Rogen, Billy Eichner, Alfre Woodard, Florence Kasumba,
Keegan-Michael Key, Eric André, John Kani, Penny Johnson Jerald, JD McCrary,
Shahadi Wright Joseph; Runtime: 118
min.; Rated: G (Canada) PG (Alberta)
Rated PG for sequences of violence and peril, and some thematic elements.