Em 2018, mais de quinze mil meninas brasileiras foram registradas com o
nome de “Maria Eduarda”, mostrando que o nome Maria continua em alta, mesmo que
seja em combinação com outros nomes. Essa preferência tem muito a ver com o
fato de que Maria é o nome da mãe de Jesus.
O nome, “Maria”, nos veio do hebraico (Miriam), passando pelo
aramaico (Mariam). Em referência à mãe de Jesus, este nome aparece dezenove
vezes no Novo Testamento. Não é muito, especialmente se levarmos em conta que,
no século passado, em apenas 60 anos, foram publicados mais de cem mil estudos ou
artigos relacionados com Maria. É claro que, se dependesse dos luteranos, esse
número jamais seria tão expressivo. Entre nós, Maria é citada em dezembro e na
época da Páscoa, mas logo ela sai de cena. Embora Lutero tenha sido pregador na
Igreja de Wittenberg que se chama “Igreja de Santa Maria”, é pouco provável que,
no Brasil, exista uma “Comunidade Evangélica Luterana Santa Maria”. (Aliás,
em meio a tantas comunidades com nome de santo – São Paulo, São Mateus etc. –
não deve haver nenhuma com nome de santa – Santa Maria, Santa Priscila etc.) E
no livro “Mulheres da Bíblia”, publicado pelas mulheres da IELB, o que chama a
atenção é a total ausência de Maria (inclusive de Maria Madalena). Deve haver
um motivo. Talvez a percepção de que já falamos o suficiente a respeito de
Maria.
Quem era Maria?
“Maria era filha de Joaquim e Ana e,
ainda menina, ela foi levada ao templo de Jerusalém, onde foi educada...”. Opa!
Parou? Parou por quê? Parou, porque estes dados não se encontram na Bíblia. Foram
tirados da literatura apócrifa, que não faz parte da Bíblia. No Novo Testamento,
Maria entra em cena apenas no momento da anunciação (Lc 1.26-38). Diz o texto
que “o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada
Nazaré, a uma virgem comprometida a casar com um homem da casa de Davi, cujo
nome era José” (Lc 1.27, NAA). Maria entra em cena quando a data de casamento
com José já estava marcada. Estudiosos entendem que, à luz dos costumes daquela
época, Maria provavelmente tinha seus 13 ou 14 anos quando foi escolhida para
ser a mãe do Salvador.
Maria é citada nos três primeiros evangelhos
(Mateus, Marcos e Lucas) e no livro de Atos (At 1.14). No evangelho de João ela
sempre e apenas é “a mãe de Jesus”. Isso significa que, se tivéssemos apenas o
Evangelho de João, não saberíamos que o nome dela era “Maria”. Doze das
dezenove referências a Maria estão nos dois primeiros capítulos de Lucas. É
nesses capítulos que Maria assume um papel ativo, ou seja, ela faz coisas: “ela
disse” (Lc 1.34, 38, 46), “ela permaneceu com Isabel” (Lc 1.56), “ela guardava
palavras, meditando-as no coração” (Lc 2.19). Nas cartas do Novo Testamento, a
referência mais próxima a Maria aparece em Gálatas 4.4. No entanto, ali o
apóstolo Paulo diz apenas que “Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher”.
Virgindade perpétua?
O evangelista Mateus informa que
Maria, comprometida a casar com José, se achou grávida “antes de (ela e José)
se unirem” (Mt 1.18). A própria Maria, ao receber a notícia de que seria a mãe
do Salvador, informou que era virgem. Ela disse: “Nunca tive relações com homem
algum” (Lc 1.34).
Segundo um dogma da Igreja Antiga, Maria permaneceu “sempre virgem”. (Para
muitos, isso está como que implícito cada vez que se diz “Virgem Maria”.) No
Concílio de Calcedônia, em 451 d. C., foi adotado o ponto de vista de que Maria
era virgem “antes do parto”, permaneceu virgem “no parto” e continuou virgem
“após o parto”.
O Novo Testamento permite afirmar com certeza apenas a primeira locução,
a saber, que ela era virgem “antes do parto”. A segunda afirmação (“no parto”)
vem de um texto apócrifo, o protoevangelho de São Tiago. Nele, a parteira do dia
do Natal informa a uma mulher chamada Salomé que Maria permaneceu virgem “no
parto”. Salomé então “introduziu seu dedo na natureza” (ou seja, fez um exame
de toque em Maria, após o parto) e, em função da incredulidade, teve a mão
carbonizada! A virgindade “após o parto” significaria que José e Maria nunca
tiveram relações, nem antes nem depois do nascimento de Jesus.
O que diz a evidência bíblica
Assim como uma legião de devotos de
Maria, o reformador Martinho Lutero, que foi criado na tradição católica,
pensava que a mãe de Jesus permaneceu virgem até o final de seus dias. Este
simples fato já mostra que não será tão simples assim afirmar que Maria teve
outros filhos, deixando de ser virgem. Afinal, poucos conhecem a Bíblia como
Lutero a conhecia.
Alguém dirá que o uso do termo “primogênito”, em Lucas 2.7 (“Maria deu à
luz o seu filho primogênito”), mostra que ela teve mais filhos. No entanto, o
termo “primogênito” diz mais a respeito de prestígio do filho do que a respeito
de prioridade temporal ou ordem de nascimento em comparação com outros. Um
dicionário do grego do Novo Testamento explica: “Em grego, o uso de primogênito
não permite concluir que determinada mulher teve ainda outros filhos, embora em
algumas línguas jamais se usaria o termo primogênito caso a mulher não tivesse
outros filhos” (Léxico de Louw-Nida, 10.43).
E o que dizer a respeito de Mateus 1.25, onde se afirma que José “não
teve relações com ela (Maria) enquanto ela não deu à luz um filho”? Esse
“enquanto” não deixa claro que José e Maria tiveram vida conjugal após o
nascimento de Jesus? O texto não deixa isso claro, pois fala apenas a respeito
do que ocorreu até o nascimento do menino. Pode-se argumentar que o evangelista
não teria escolhido essa formulação, caso pensasse em Maria “sempre virgem”. No
entanto, o texto de Mateus 1.25 não permite afirmar nada mais definitivo ou
categórico a respeito da virgindade de Maria após o nascimento de Jesus.
Muitos dizem com muita convicção que Maria teve outros filhos, porque os evangelhos
falam a respeito de irmãos e irmãs de Jesus (Mt 12.46; Mt 13.55-56; Mc 6.3). No
entanto, o texto bíblico não diz expressamente que eram “filhos de Maria”. Por
outro lado, afirmar que eram primos de Jesus (como se costuma fazer na Igreja
Oriental) é fazer violência ao uso linguístico, pois em grego existe um termo
para “primo”. Dizer, como se costuma fazer na Igreja latina, que eram filhos de
um casamento anterior de José, que, neste caso, teria sido viúvo ao casar-se
com Maria, é argumentar com o silêncio. Por outro lado, dizer que “eram filhos
de Maria” equivale a extrair dos textos o que eles não afirmam. Portanto, esta
é, no mínimo, uma questão em aberto.
Por que o Salvador nasceu de uma virgem?
Mais importante do que a duração da virgindade
de Maria é o fato de que Jesus nasceu de uma virgem. E isso é importante na
medida em que, para essa concepção, nenhum homem (no sentido de pessoa do sexo
masculino) participou. Por que, então, o Salvador Jesus precisava nascer de uma
virgem? Há, pelo menos, duas respostas, simples, mas derivadas da Bíblia: o cumprimento
da profecia de Isaías 7.14 (Mt 1.22-23) e o caráter todo especial desse ente
santo que haveria de nascer: ele seria o Filho de Deus (Lc 1.35). Como
consequência de sua concepção sobrenatural, Cristo era isento de pecado. Ele
tinha de ser sem pecado, para que pudesse ser nosso Salvador.
Maria é “mãe de Deus”?
Muitos estranham e até se ofendam
com o título “mãe de Deus”, que tem sido dado a Maria desde os tempos da Igreja
Antiga (concílio de Éfeso, 431 d. C.). No entanto, se nosso Senhor Jesus Cristo
é “Deus de Deus”, não há por que não dizer que Maria deu à luz o Filho de Deus,
que é verdadeiro Deus! As Confissões Luteranas, na Declaração Sólida da Fórmula
de Concórdia (Artigo VIII. Da pessoa de Cristo, § 24), afirmam: “Em virtude
dessa união e comunhão pessoal das naturezas, Maria, a bendita Virgem, não deu à
luz um mero homem, mas um homem que verdadeiramente é Filho do Deus Altíssimo,
como o anjo testifica. O Filho demonstrou sua majestade divina até no seio
materno, com o fato de haver nascido de uma virgem que não sofreu dano em sua
virgindade. Razão por que ela de fato é a Mãe de Deus, ao mesmo tempo em que
permaneceu virgem”.
E essa “Ave Maria, cheia de graça”?
Esta frase faz parte de uma invocação que, numa forma mais breve, já
estava em uso, no Oriente, no ano 600 d. C. “Ave” é uma saudação latina, que
hoje as traduções católicas (como a Bíblia de Jerusalém) já substituem por
“alegra-te”. Quanto a “cheia de graça”, que é algo que vem da tradução latina (gratia
plena) e que é retido nas traduções católicas, sabe-se desde o tempo de
Lutero que não é uma boa tradução do termo grego. (Lutero escreveu que “cheio
de” leva as pessoas a pensar num barril cheio de cerveja ou num saco cheio de
dinheiro...) Numa nota, a Bíblia de Jerusalém registra que a tradução literal é
“tu que foste e permaneces repleta do favor divino”. De forma mais simples, a Nova
Almeida Atualizada diz: “Salve, agraciada”. Maria foi agraciada. Dizer que ela tem
graça para conferir a outros é uma elaboração posterior, que carece de base
bíblica.
Mas quem, afinal, é Maria?
Maria não tem maior importância em isolamento, sozinha, separada de seu
filho Jesus. Ela aparece no Credo, quando se fala de Jesus, que “nasceu da
Virgem Maria”. Nosso Senhor Jesus Cristo, por amor de nós seres humanos e por
nossa salvação, “desceu do céu e encarnou, pelo Espírito Santo, na Virgem Maria
e se fez homem” (Credo Niceno). Maria é importante, porque o DNA humano de
Jesus é de Maria. A natureza humana de Cristo é de fato humana, e ela lhe foi
dada por sua mãe Maria. Por isso, Maria é “bendita entre as mulheres”, como
disse a parenta Isabel (Lc 1.42), e a própria Maria podia dizer que “desde
agora, todas as gerações me considerarão bem-aventurada” (Lc 1.48).
Quanto ao mais, Maria é modelo de filha de Deus. “Ao ouvir algo que era
impossível, fez uma pergunta de ordem prática. Quando lhe foi proposto um
milagre de Deus, ela acreditou. Confrontada com a humilhação de uma gravidez
ilícita, reconheceu que Deus é santo e que ela era serva, e aceitou a vontade
do Senhor” (Manual Bíblico SBB, p. 602). Depois, ela se tornou proclamadora dos
feitos de Deus, no assim chamado Magnificat (Lc 1.46-55).
Maria também é modelo de mulher e mãe. Ensinou a obediência ao menino
Jesus. “Quando ele já era adulto, ela deixou que ele vivesse a sua própria
vida, aparecendo raramente na história dele, apenas o suficiente para sabermos
que ela acreditava no destino do filho e se preocupava com o seu bem-estar”
(Manual Bíblico SBB, p 602).
À luz de tudo isso, se deixarmos a Virgem Maria no seu
devido lugar, não há por que jogar um véu sobre ela. Afinal, nosso Senhor Jesus
Cristo nasceu da Virgem Maria.