Texto base: Lucas 2.1-20
“O Natal está chegando, vamos festejar. Jesus
nasceu e veio nos salvar”. Este é o trecho de uma conhecida música cantada
pelas nossas crianças em praticamente todos os anos nas programações especiais
de Natal. Aliás, o período natalino nas igrejas, por vezes, foca simplesmente
na comemoração e na alegria, chegando a pedir que as pessoas que assistem ou
acompanham esses momentos, deixem de lado suas tristezas pessoais e as
dificuldades que enxergam no mundo para se alegrar com o nascimento de Jesus.
É, por vezes, uma visão utópica da realidade
das pessoas. Porque podemos deixar aquele momento com a impressão de que o
nascimento de Cristo resolve todos os problemas e tristezas do mundo e da
realidade que vivemos, afinal de contas: “vamos festejar. Jesus nasceu e veio
nos salvar”.
Qual a alegria de comemorar o natal?
A visão utópica da chegada de Cristo como “solução
para todos os problemas” não é algo incomum na história da humanidade. O povo
de Israel esperava um Messias que havia sido prometido por Deus no Antigo
Testamento. Esperavam ansiosamente o seu líder político que viria para resolver
todos os seus problemas. E a construção dessa visão do povo se deu muito pelos
líderes que o próprio Deus levantou durante a história. Abraão, Isaque, Jacó –
que mais tarde se tornou Israel, o pai das 12 tribos; José, que liderou o Egito
durante os 7 anos das vacas gordas e os 7 anos das vacas magras; Moisés, o
grande líder da libertação do povo de Israel da escravidão; Davi, o mais famoso
rei de Israel, que foi antepassado de Jesus e que também nasceu em Belém. A
esperança do povo de Israel era pela vinda de um rei político. E de um grande
líder que agiria em favor do povo para seu reinado soberano sobre as outras
nações. Esse líder viria para resolver todos os seus problemas.
Aliás, o contexto do relato de Lucas 2.1-20 é
da vinda de um Rei. O anjo anuncia a Maria que ela ficaria grávida, dizendo: “Este
será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono
de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado
não terá fim” (Lc 1.32-33). Além disso, o nascimento de Jesus se dá em meio a
um grande movimento político que estava acontecendo na época. Logo no início do
capítulo 2 do evangelho de Lucas, observamos um decreto do imperador César
Augusto para que todas as pessoas voltassem à sua terra natal para o
recenseamento.
Há, no texto, um indicativo de que o próprio
evangelista Lucas quis suscitar essa temática política para o nascimento de
Jesus. Mas, obviamente, Lucas não anuncia a vinda de um líder político para
Israel. Não seria Cristo o responsável por tornar o povo de Israel soberano
sobre os povos, pois Cristo não seria esse tipo de líder.
O próprio Lucas faz seus leitores olharem para
o episódio do nascimento de Jesus com alegria. O tema “alegria”, é recorrente
no evangelho de Lucas. Quando o anjo anuncia à Maria que ela ficaria grávida do
Salvador, ele chega a ela dizendo: “alegra-te” (1.28); João batista estremece
de alegria no ventre de Isabel quando Maria se aproxima (1.44); os anjos
anunciam a “boa-nova de grande alegria” (2.10); o cântico de Zacarias é um
cântico de alegria e agradecimento (1.67-79); Simeão canta sua alegria ao
receber Jesus em seu colo (2.29-32).
Mas qual o motivo dessa alegria?
O reino que Jesus Cristo veio trazer ao mundo
não é o reino político, mas o reino espiritual. E Lucas mostra isso em outros
momentos no contexto do texto. Maria canta: “e o meu espírito se alegrou em
Deus, meu Salvador” (1.47); Zacarias canta a vinda do Salvador Jesus
como aquele que “visitou e redimiu o seu povo” (1.68); aos
pastores é anunciado que “hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador,
que é Cristo, o Senhor” (2.11); Simeão, ao pegar o menino Jesus no colo, canta:
“porque os meus olhos já viram a tua salvação” (2.30).
A salvação para o povo de Israel estava ali. Mas
essa salvação não foi conquistada meramente com o nascimento de Jesus. Cristo,
que foi enviado para o povo de Israel, o povo de Deus, foi rejeitado pelo seu
próprio povo. Aqueles que deveriam receber o Messias prometido com a mesma
alegria e entusiasmo de Maria, João Batista, Isabel, Zacarias, os pastores e
Simeão, na verdade não o receberam assim. O povo de Israel não recebeu Jesus
como o Messias prometido. Cristo foi rejeitado de tal modo que foi levado a julgamento,
a açoites e à morte. E esta é uma verdade que nós não podemos esconder, mesmo
no período do Natal. Mesmo com a alegria do nascimento de Jesus, nós não
podemos encobrir o sofrimento, a violência, o desespero e o medo que pairam por
esse mundo pecaminoso. Não podemos criar um mundo paralelo onde o nascimento de
Jesus cria uma visão utópica da nossa realidade. Nós comemoramos o Natal com
cores, luzes e músicas alegres. Mas na história de Jesus, há perseguição para
tirar a sua vida desde o seu nascimento até a sua morte. E em nenhum momento ele
prometeu que no mundo não haveria mais dor, sofrimento, tristeza ou angústia.
Ele mesmo disse aos discípulos: “No mundo, passais por aflições” (Jo 16.33). No
mundo haverá desastres, catástrofes, dificuldades e morte.
Mas o grande ponto que precisa ser destacado é
que Cristo não permanece na morte. Ele ressuscita. E esta é a fonte da nossa
grande alegria. Por causa da ressurreição de Cristo, você e eu recebemos o
privilégio de sermos batizados. De sermos colocados dentro da família da fé. E
é nesta família que Jesus nos alegra. É dentro da família da fé, na qual nós
fomos colocados desde o nosso batismo, que Jesus diz: “tenham coragem, eu venci
o mundo” (Jo 16.33). E é por causa da ressurreição de Cristo que nós podemos
cantar: “o Natal está chegando, vamos festejar. Jesus nasceu e veio nos
salvar”. O nascimento de Cristo nos alegra, porque sabemos da sua ressurreição.
Porque sabemos do nosso batismo e da garantia que Cristo nos dá, que é a vida
eterna. Amém.
Lucas Prando
Pastor
Tuparendi, RS