Ofício da Palavra é o
nome que damos à primeira parte do culto, sendo que a segunda parte é a
Celebração da Santa Ceia. No entanto, a primeira parte do culto também poderia
ser chamada de “Mesa da Palavra” (para combinar com a segunda parte, que pode
ser chamada de “Mesa da Ceia” ou “Mesa da Eucaristia”). Se isso é assim,
podemos perguntar: O que nos será servido na Mesa da Palavra em 2020? Dito de
outra forma, que textos bíblicos serão lidos ao longo deste ano? A resposta
breve é esta: será uma farta Mesa da Palavra, com ênfase no evangelho de Mateus!
O ano
de Mateus
Mateus
foi o evangelho da igreja, também na IELB, até mais ou menos 1980. Na antiga
Série Histórica, que foi usada na igreja durante séculos (na verdade, quase
dois milênios), Mateus era fonte de metade das leituras de evangelho que eram
feitas ao longo do ano litúrgico. E todos os anos eram as mesmas leituras de evangelho.
Hoje, o evangelho de Mateus perdeu o monopólio ou a exclusividade, pois é lido
apenas a cada terceiro ano.
Na
série de leituras bíblicas que hoje usamos, chamada de Série Trienal (isto é, “série
de três anos”), os três primeiros evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) vão se
revezando. E o quarto evangelho, João, como fica? Esse é lido, aos poucos, ao longo
dos três anos. Assim, ao final de três anos, teremos lido, na Igreja, durante o
culto, mais ou menos a metade de cada um dos quatro evangelhos. Ao final de
três anos, o ciclo recomeça. Neste ano de 2020, o ano A, teremos a companhia de
Mateus. Mas é bom lembrar que, em dez domingos mais ou menos (nos períodos de
Quaresma e Páscoa), a leitura do evangelho será tirada do evangelho de João.
Mateus
no contexto litúrgico
Mateus
é um evangelho longo: tem 28 capítulos e 1.071 versículos. (Mateus é quatro páginas
mais curto do que Lucas e vinte páginas mais longo do que Marcos.) Quantos versículos
de Mateus serão lidos no culto, neste ano? Pouco mais de 500 versículos, ou
seja, pouco mais da metade. Dos 28 capítulos, apenas cinco não fornecem nenhuma
leitura de evangelho em 2020: os capítulos 6, 7, 8, 19 e 24. Em catorze
domingos, a leitura de evangelho será uma parábola de Jesus. (Dia 26 de julho,
ao lermos Mateus 13.44-52, teremos três parábolas, breves, de uma só vez.) Milagres
de Jesus, teremos apenas três: multiplicação de pães e peixes (Mt 14.13-21),
Jesus anda sobre o mar (Mt 14.22-33) e a mulher cananeia (Mt 15.21-28). Mas, em
algumas leituras, haverá referência ao fato de que Jesus fez milagres (Mt 9.35
e 11.5). Esse número reduzido de relatos de milagres como leitura de evangelho
se deve também ao fato de que Mateus 8, que traz uma coleção de milagres, não foi
incluído na Série Trienal. Relatos que ouviremos apenas neste ano, porque não
têm paralelo nos demais evangelhos, são os seguintes: a visita dos magos (Mt 2.1-12),
a fuga para o Egito (Mt 2.13-23), vários ensinos de Jesus a respeito da Lei (Mt
5.17-37), o convite “venham a mim” (Mt 11.28-30), várias parábolas (Mt 13, 18,
20, 21, 25), a cena do grande julgamento (Mt 25.31-46) e a grande comissão (Mt 28.16-20).
Características
do evangelho de Mateus
Quem começa a ler a Bíblia pelo Novo
Testamento – como geralmente se recomenda – tem uma grande surpresa, pois a
primeira coisa que encontra é uma lista de nomes, uma genealogia, a genealogia
de Jesus Cristo. Alguém poderia dizer: “Mas que jeito chato de começar um livro!”.
No entanto, um leitor judeu do tempo de Mateus não iria concordar com isso,
porque para ele essas listas de nomes eram importantes, especialmente em se
tratando do Messias. E por que justamente Mateus foi colocado no início do Novo
Testamento? Não temos resposta clara para esta pergunta. Teria sido para testar
a persistência dos leitores? Tudo indica que não. Na medida em que Mateus faz a
conexão com o Antigo Testamento (também por meio daquela genealogia), faz
sentido que ele apareça em primeiro lugar.
Mateus cita muitos textos do Antigo
Testamento (mais de 40!), mostrando que se cumpriram. Muito interessantes são
as assim chamadas “citações de cumprimento”, em número de onze (Mt 1.23;
2.6,15,18,23; 4.15-16; 8.17; 12.17-21; 13.35; 21.5; 27.9-10). Recebem esse nome por causa da fórmula
introdutória “para se cumprir o que foi dito por meio do profeta”. Quatro
dessas “citações de cumprimento” aparecem em leituras de evangelho deste ano (Mt
1.18-25, 4.15-16, 21.5, 27.9-10). O profeta mais citado por Mateus é Isaías. A
propósito, textos de Isaías entram como leitura do Antigo Testamento em mais de
vinte domingos deste ano!
Há quem diga que Mateus tem em vista um
propósito apologético. Em outras palavras, estaria defendendo o caráter
messiânico de Jesus contra o ataque do judaísmo oficial. Não sabemos se o evangelho
foi escrito com essa finalidade, mas parece evidente que ele podia ser usado (e
foi usado) para fins apologéticos. Apontando para textos dos profetas, o
evangelista enfatiza aspectos da vida de Jesus que poderiam parecer mais
obscuros e/ou escandalosos, especialmente para os judeus. Entre esses aspectos
“difíceis de engolir” estão os seguintes: o fato de Jesus ter nascido de uma
virgem (Mt 1.23); a escolha de Cafarnaum, e não de Jerusalém, como base de
operações (Mt 4.14-16); a condição de Servo humilde e sofredor (Mt 8.17;
11.2-6; 12.17-21); a linguagem simples e misteriosa das parábolas (Mt 13.35); a
entrada nada triunfal do Rei messiânico em Jerusalém (Mt 21); a prisão e
condenação de Jesus (Mt 26.56; 27.9-10).
Outra característica do evangelho de
Mateus é o arranjo cuidadoso. Existe uma sequência cronológica, mas, dentro
dela, os episódios são agrupados. Assim, Mateus reúne vários milagres no
capítulo oito e traz uma coleção de parábolas no capítulo treze. O evangelista como
que alterna entre ciclos de discursos e seções em que ganham destaque os milagres.
Dignos de nota são os cinco discursos ou sermões de Jesus no evangelho de Mateus:
o Sermão do Monte (Mt 5—7), o Sermão para os Apóstolos (Mt 10), o Sermão das
Parábolas (Mt 13), o Sermão sobre a Igreja (Mt 18), e o Sermão das Coisas do Fim
(Mt 24—25). Esses cinco sermões terminam com a mesma fórmula: “Quando Jesus
acabou de...” (Mt 7.28; 11.1; 13.53; 19.1; 26.1). Ao longo de 2020, teremos
leituras de evangelho tiradas de cada um desses cinco sermões de Jesus.
Mateus
em boa companhia
No ano A da Série Trienal de leituras,
o ano em que lemos Mateus (e João), as seguintes epístolas aparecem com
destaque: 1Coríntios (no pós-Epifania, em janeiro e fevereiro), 1Pedro (no
período da Páscoa, em abril e maio), Filipenses e 1Tessalonicenses (mais para o
final do ano). Mas a “epístola do ano” será Romanos, visto que trechos dessa
carta serão lidos em 23 domingos deste ano, ou seja, em quase metade dos
domingos. Nos quatro domingos de Advento (que já passaram), tivemos três
leituras de epístola tiradas de Romanos. No tempo da Quaresma (a partir do
início de março), quatro leituras de epístola (de um total de cinco) serão extraídas
da carta aos Romanos. E, começando no Segundo Domingo após Pentecostes (14 de
junho), teremos 14 domingos seguidos com leituras de Romanos. Apenas dois
capítulos de Romanos (Rm 2 e Rm 16) não fazem parte da Série Trienal A, em 2020.
Ficará bem claro que Carta aos Romanos estará “sobre a Mesa da Palavra” neste
ano.
Quem vê os cultos na igreja como experiências
isoladas (um culto de cada vez) talvez nem se dê conta de que esses textos
aparecem numa sequência. Assim sendo, não custa avisar. E recomendar que, ao
lado de Mateus, os livros bíblicos que deveríamos ler e estudar de perto em
2020 são Romanos, 1Coríntios, Filipenses, 1Tessalonicenses e 1Pedro. Ah, também
Isaías, o maior profeta (e poeta) do Antigo Testamento. Ao pregador cabe
planejar com antecedência, criando, quem sabe, uma série de sermões ou estudos
bíblicos sobre um desses livros bíblicos.
Um
conselho final
As
leituras que são feitas no culto são sempre leituras curtas. São perícopes,
como as chamamos, isto é, “recortes”. Com leituras breves ao longo de todo um
ano, será difícil visualizar um quadro do evangelho de Mateus como um todo. A
cada nova leitura, a gente poderá ficar com a impressão de que é simplesmente
“mais uma história a respeito de Jesus” ou “mais uma história que Jesus
contou”. Mas ela virá do evangelho de Mateus, que é um todo. E cada uma dessas
leituras como que pressupõe familiaridade com o evangelho como um todo. Por
isso, o conselho: leia o evangelho de
Mateus do começo ao fim, num dia ou em poucos dias. Releia o evangelho várias
vezes durante o ano. Estude o evangelho de Mateus a partir de uma Bíblia de
Estudo. Leia também as epístolas que recebem destaque neste ano. E o livro de
Isaías. Nunca é demais ler e reler a Palavra de Deus!