A cada
dia que passa somos confrontados com esta nova realidade que assolou o ano de
2020. Se tínhamos esperanças ou planos de viagens neste primeiro semestre,
nossas ideias foram por água abaixo; negócios em busca de recuperação
econômica, após meia década em crise, também deram indicativos de que
atravessarão turbulências; todo o planejamento jogado fora. Nossas atenções que
eram voltadas para tantos temas, agora parecem estar encapsuladas por uma
pequena e assustadora sigla: COVID-19.
Esta não
é a primeira pandemia registrada pela História: o que acontece é que a última –
a chamada “gripe espanhola”, surgiu há 103 anos. Nossa geração não lidou com
situações caóticas depois das duas grandes guerras, que já também se perdem no
espaço de 70 anos. Portanto é algo compreensível as reações por vezes extremas
das pessoas diante de um inimigo invisível e que, por enquanto, não temos armas
corretas para combatê-lo. Os meios virtuais (nada disso havia em meio à
pandemia de 1917), ao mesmo tempo que nos dão dimensões globais do problema,
também permitem uma “comunhão virtual” que deveria servir para amenizar os
medos e ansiedades. Mas parece não estar conseguindo fazê-lo a contento.
Como
cristãos nós temos uma oportunidade enorme nestes períodos de crise, seja
econômica, social ou sanitária. Aliás foram nesses ambientes que o cristianismo
primitivo floresceu e ganhou a simpatia dos pagãos. No século II, por exemplo,
aconteceu uma grave epidemia, a chamada Peste Antonina (uma peste que
matava 2.000 pessoas por dia na cidade de Roma, com uma taxa de 25% de
mortalidade entre os adoecidos, conforme Dio Cassius, LXXII, 14.3-4). O
paganismo romano – religião dominante naquele período – não possuía uma ética
de misericórdia ou caridade. As pessoas eram deixadas à sua própria sorte. Os
cristãos, por outro lado, ensinados pelo Mestre que devemos “amar ao próximo
como a nós mesmos” se comportaram de modo diverso da cultura ao seu redor. Os
historiadores da época contam que, enquanto os romanos passavam ao largo, os
cristãos ofereciam assistência.
Esta
ajuda era bem arriscada, afinal, as medidas sanitárias eram muito mais
precárias do que nossa experiência. Mesmo assim eles cuidavam dos doentes,
providenciavam funerais apropriados. Enquanto o pânico tomava conta de todos e
faziam pessoas “de bem” deixarem milhares pelas vielas da Capital, eram os “do
Caminho” – aquela gente esquisita que adorava um Homem-Deus morto por Roma mas
que, diziam, havia ressuscitado dentre os mortos, lá na rebelde província da
Judéia - os que se importavam, cuidavam, consolavam e, claro, pregavam as Boas
Novas. Podemos atestar que uma das grandes forças da Igreja ao longo dos
séculos tem sido justamente esta capacidade de exercício da misericórdia, do
alívio do sofrimento. Não à toa o desenvolvimento da saúde pública através de
“Santas Casas de Misericórdia”, orfanatos, obras de caridade espalhadas pelo
mundo estarem ligadas por laços confessionais a organizações religiosas de
várias tradições.
A
pergunta que fica é: e a Igreja do século
XXI, está preparada para dar respostas práticas diante de tragédias de uma
maneira amorosa, como nossos irmãos do segundo século? Temos exercitado nossos
“músculos morais” para demonstrarmos compaixão e cuidado com aquele que sofre
nestes tempos de crise? Ou nos atrofiamos a ponto de torcer para que “alguém” –
o vizinho, a instituição de caridade, o governo - seja o ajudador do nosso
próximo? Por óbvio que os governos têm papel crucial na organização da
sociedade durante crises. Vemos as autoridades trabalhando sem parar, em uma
força-tarefa para o combate da pandemia. As instituições de caridade também
buscam, na medida de suas capacidades, atacar os problemas que se avolumam
nestes tempos. Mas será que não temos
também cada um de nós o chamado para cuidar de forma prática do próximo na hora
difícil?
Talvez
não sejamos os braços que devam cuidar diretamente daqueles que estão
infectados. Nossa ação quanto a isto é o chamado a usar a arma mais poderosa
que o cristão tem disponível: a oração.
Milhões de profissionais da saúde e autoridades governamentais contam com
nossos joelhos dobrados e corações derramados diante de Deus para que seus
ombros sejam fortalecidos na dura tarefa de combater nas linhas de frente.
Porém, para além disso, estamos rodeados de muitas pessoas que estão com sua
“imunidade emocional” muito baixa, e estão tentando tocar suas vidas em meio à
incerteza e medo crescentes. Vamos pensar em algumas dicas de como podemos
responder à temporada de crise, amando de forma prática aos que Deus nos deu
como próximos:
Seja
criativo para cuidar de sua comunidade
Há
poucas coisas tão tristes como lidar com doenças, de qualquer natureza,
sozinho. Muitas amizades são afastadas pela dinâmica deste drama pessoal, e as
limitações físicas que se impõem. Muitas vezes o doente se sente desencorajado
de se relacionar com o mundo exterior; em muitos outros casos, são os outros
que o isolam e rejeitam.
No caso
do corona vírus, uma das medida necessárias é o isolamento horizontal, ou seja,
que todos fiquem separados a não ser em caso da família imediata,
independentemente de estarem ou não no chamado “grupo de risco”. O governo está
reforçando estas medidas. Em Porto Alegre, por exemplo, um decreto municipal
interditou praças e parques públicos para a circulação da população com mais de
60 anos.
Assim
sendo, nossas atenções podem se voltar para o mundo digital, muito desenvolvido
hoje. É tempo de verificar se todos os nossos queridos estão conectados, para
que, de forma criativa, possamos manter a atenção, carinho e cuidado usando dos
benefícios da tecnologia.
Seja
fonte de encorajamento
As
Escrituras declaram que “no amor não existe medo; antes o perfeito amor lança
fora o medo” (1Jo. 4.18). O que temos visto por aí nestas últimas semanas?
Pânico, histeria, medo incontrolável por parte de tantas pessoas. A mídia
jornalística se aproveita do momento para “vender” a tragédia da pior forma
possível. Pessoas ficam literalmente viciadas em notícias ruins, e vão
compartilhando isso ao criar um círculo vicioso que é muito tóxico. Isso
inclusive acaba baixando nossa imunidade física, ficamos realmente suscetíveis
a adoecer!
Nós
cristãos somos embaixadores de um outro reino. “Estamos no mundo, mas dele não
somos” diz o hino 389 do Hinário Luterano. Enquanto não estamos naquela morada
que “de paz se reveste”, refletimos neste lado da existência os valores de
nossa pátria celeste. Mesmo em meio às maiores dificuldades, somos lembrados
para que não façamos como os que não têm esperança, mas sempre confortemos uns
aos outros com a esperança de que em Cristo todas as coisas, inclusive o
COVID-19, “cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que foram
chamados segundo o seu propósito” (Rm. 8.28). Procure ser intencional em buscar
formas de confortar e encorajar aqueles que, ao seu redor, estão desanimados ou
sem esperança, diante de um cenário de incertezas. É hora de enxergarmos com os
ouvidos (atentos à Palavra).
Seja o
esteio dos que sofrem
Já que
nossa maior fonte de problemas e sofrimento foi definitivamente resolvida por
Jesus naquela cruz do Calvário, toda a nossa atenção pode se voltar para
aqueles que são fruto de nossas vocações. Já não mais precisamos nos frustrar
por expectativas não alcançadas, planos ou sonhos destruídos. Vivemos aqui
neste vale de lágrimas de acordo com os propósitos de Deus, cooperando em sua
missão de salvar e resgatar o perdido.
Sabemos que não podemos cuidar de todos. Porém
podemos cuidar de quem está perto. E, como Deus não faz nada por acaso, atente
para quem Ele colocou ao seu lado para você cuidar. Você vai se surpreender
sobre como tem em suas mãos oportunidades únicas de se tornar um “pequeno
cristo” que fará uma enorme diferença na vida de muitos.
Hoje é
tempo de colocarmos em prática os ensinos de toda uma vida nos bancos da
igreja. Que nossa fé seja de atos e não apenas de palavra. E que o Senhor nos
abençoe e nos guarde neste e em todos os momentos, até o grande e glorioso Dia
do nosso encontro eterno, onde os abraços, o toque, a alegria jamais acabarão.
Jean Regina
Thiago Vieira
Porto Alegre, RS