Eis um convite, aliás, um convite
conhecido. Nem todos os convites recebidos são aceitos. É até impossível
aceitar todos. Às vezes acontece que temos conosco dois ou até mais convites
para a mesma ocasião. É quando surge a necessidade de fazer escolhas. Aceita-se
um e não o outro. Por quê? Porque sempre haverá uma razão para a opção em favor
de um em vez de outro. “Vamos ao culto” é um convite que recebemos a cada
domingo, normalmente, embora haja exceções em alguns locais (cultos nem todos
os domingos ou em outros dias e horários). Ele sempre provocará reação em nós.
O que segue neste artigo procurará nos ajudar a ter um tipo de reação. O valor
dela para a vida do cristão aparecerá no decorrer do escrito, convidando-nos a
refletir sobre o proveito da reação positiva diante do convite “vamos ao culto”.
O convite destina-se ao cristão, em
primeiro lugar, embora nada impeça que também um não cristão o receba. A sua
aceitação ou não por parte do cristão dependerá da maneira como este vê a si
próprio. A propósito, como nós nos vemos? Quem somos? Mesmo que possamos nos
definir de várias maneiras, concentremo-nos apenas numa delas. O cristão é
alguém em cuja vida aconteceu uma grande transformação. Antes de sua conversão,
era apenas pecador; após a conversão
continua sendo pecador, mas também é justo. Essa é a grande transformação
realizada pelo Espírito Santo na vida do ser humano, por causa da graça de Deus
que age na pessoa e obra de Jesus Cristo para tornar possível tal transformação
e fazer com que ela aconteça. Cabe aqui um alerta para se evitar conclusões
equivocadas a respeito de tal transformação. Ela não é de pecador para justo, porém
de pecador para justo e pecador ao mesmo tempo. Mas o que tem isso a ver com o
convite para ir aos cultos? Seguem algumas reflexões sobre a essa pergunta.
Não
somos apenas justos. Se assim o
fôssemos, naturalmente estaríamos presentes em todos os cultos, a não ser que
alguma razão realmente intransferível nos impedisse de ir à igreja. O fato de
continuarmos sendo pecadores é
determinante para não aceitarmos o convite em algumas ocasiões, trocando-o,
talvez com facilidade, por outras atividades.
Tivemos nossa vida transformada para
justos e pecadores ao mesmo tempo.
Desfrutamos, portanto, de uma nova vida. Esta, todavia, não é igual a uma
contínua ascendente, porém, tem altos e baixos. Sim, altos e baixos! Por quê?
Porque vivemos e viveremos, até morrer, em meio a uma tensão: a tensão entre
carne e espírito, entre a velha natureza e a nova. O apóstolo Paulo aponta para
essa realidade ao dizer: Porque eu sei
que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem
está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o
mal que não quero, esse faço (Rm 7.18,19). Ora, quem está em meio a uma
tensão sabe que se encontra entre duas forças, cada uma puxando para um lado.
Cabe não esquecer que nossa velha natureza sempre nos puxará para o lado
contrário dos convites que recebemos do nosso Deus gracioso.
Quem se encontra em meio à tensão
mencionada, como é o nosso caso, necessita sempre, ininterruptamente, de
socorro. Não está na pessoa o poder para fazer prevalecer os impulsos de sua
nova natureza sobre a compulsão da velha natureza. Bem, se tal não existe
dentro da pessoa, onde, então, encontrá-lo? Ou melhor, ele existe? Sim! Existe.
O único capaz de atender à nossa necessidade. É trazido pelo próprio Deus.
Temos testemunhos de textos confessionais sobre isso. A Confissão de Augsburgo,
III, 4,5, assim declara: “Ensina-se,
outrossim, que o mesmo Cristo desceu ao inferno, no terceiro dia ressurgiu
verdadeiramente dos mortos, subiu ao céu e está assentado à destra de Deus,
para dominar eternamente sobre todas as criaturas e governá-las, a fim de
santificar, purificar, fortalecer e consolar, pelo Espírito Santo, a quantos
nele crêem, dar-lhes também vida e toda sorte de dons e bens, e proteger e
defendê-los contra o diabo e o pecado”. A Fórmula de Concórdia, Declaração
Sólida, II, 37-39, afirma: “E, ainda que os renascidos mesmo na presente
vida avançam até o ponto onde querem o bem e o amam e também o praticam e nele
crescem, todavia isso não vem de nossa vontade e poder, mas o Espírito Santo,
como o próprio Paulo fala a esse respeito, opera tal “querer e efetuar” (Fp
2.13”.
VAMOS
AO CULTO para receber o socorro de Deus alcançado a nós por meio de sua Palavra
e Sacramentos. É pela Palavra anunciada e também presente no Batismo e na Santa
Ceia, que o Espírito Santo faz tudo que foi dito nos dois textos confessionais
acima citados. Nossos cultos são oportunidades muito especiais para sermos
acolhidos pelo Deus que nos socorre em meio à tensão entre justos e pecadores ao mesmo tempo. Alguém poderia lembrar, com
razão, que somos convidados a ir aos cultos também para louvar a Deus. Correto!
Todavia, o louvor não nasce de mero sentimentalismo. Pelo contrário, brota de
corações consolados e alegres porque ouviram que, apesar de pecadores
(realidade apontada pela lei), continuam amados pelo Deus que os socorre na
Palavra, na absolvição e na santa ceia. Graças a tal socorro, eles sobrevivem
em meio à tensão, e tal sobrevivência significa nada menos do que permanecer
com a justiça que recebemos do nosso Salvador Jesus por meio da fé. Em outras
palavras, é estar salvo.
Qualquer convite cria expectativas
em nós. Por exemplo, o que iremos encontrar se aceitarmos o convite? Não
acontece nada diferente com o convite para o culto. Não cabe tal coisa neste
escrito, porém, não deixaria de ser interessante e importante pesquisar entre
os cristãos quais são as expectativas que possuem quando se dirigem ao culto. O
resultado de tal pesquisa poderia ser ótimo instrumento para algumas ações,
como por exemplo: o preparo dos cultos, o preparo do sermão, o preparo
individual de cada pessoa para o encontro com o Senhor na sua casa, entre
outras. Com as respostas em mãos, poderíamos, se pastores, ir ao encontro
daqueles que vão ao culto para receber o socorro de que precisam dentro da
permanente tensão entre justos e
pecadores, deixando evidente que tal socorro está naquilo que o culto
oferece. Se congregados, poderemos ser auxiliados a ir ao culto esperando
receber aquilo que vem a ser nossa maior necessidade: o socorro gracioso de
Deus alcançado no perdão dos pecados e no evangelho confortador e poderoso. Ainda precisamos do perdão; continuamos
sendo pecadores. Mas também somos justos, pois recebemos, por meio da fé,
a justiça de Cristo, que nos cobre e termina com o poder que o pecado tem para
nos condenar diante de Deus. É uma nova vida, criada e mantida pela
misericórdia e poder de Deus. Conhecedores dessa verdade, com os corações
cheios de gratidão porque Deus providenciou tudo para que tal verdade fosse a
realidade de nossa vida, o que fazer diante do convite “vamos ao culto”? Ora,
será natural a resposta: SIM, VAMOS AO CULTO!
Rev. prof. Paulo Moisés Nerbas
Seminário Concórdia e ULBRA