A leitura do Evangelho se encontra na página...


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24/09/2020 #Artigos #Editora Concórdia

Sim, mas em que Bíblia?

A leitura do Evangelho se encontra na página...

          Leitura da Bíblia é algo que se faz no culto da Igreja Cristã desde o começo. Num dos mais antigos relatos sobre o culto cristão fora do Novo Testamento, Justino Mártir (em 155 d. C.) informa que no culto “se leem, enquanto o tempo o permite, as Memórias dos apóstolos [Evangelhos] ou os escritos dos profetas”. Com o passar do tempo, é claro, essa leitura “enquanto o tempo permite” foi reduzida a uma série de leituras bíblicas para cada dia de culto.

          Num tempo em que não havia exemplares da Bíblia em grande quantidade, a única possibilidade de se ter contato com a mensagem da Bíblia era indo à igreja. Assim, a Bíblia sempre foi mais ouvida do que lida. Isso só mudou de uns duzentos anos para cá, graças, em grande parte, ao trabalho das Sociedades Bíblicas. Hoje, a Bíblia está disponível na maioria das igrejas. Muitos têm o bom hábito de levar o seu exemplar de casa para o culto.

          Com isso, tornou-se prática comum que as leituras bíblicas sejam, além de ouvidas, acompanhadas com os olhos. Muitos pastores indicam o número da página na Bíblia, algo que poderia ser interpretado como confissão de “analfabetismo bíblico” das pessoas presentes, mas que ajuda a acelerar o processo de busca. Há momentos em que o oficiante espera um pouco até que todos localizem o texto na Bíblia. Sob um aspecto, é bom que o texto nos chegue através de dois canais, os ouvidos e os olhos, mas é possível argumentar que aquele é um momento de proclamação da palavra de Deus em voz alta, e que, portanto, a gente deveria mesmo ouvir e não acompanhar com os olhos. Na verdade, há uma diferença entre ler um texto com os olhos e escutar um texto sendo lido. Se você acha que não, sugiro que faça o teste, ouvindo uma gravação do texto ou desprendendo os olhos do texto, na hora da leitura no culto. E, como se lê a Bíblia no culto cristão desde os tempos apostólicos, é preciso dizer que as leituras bíblicas no culto se justificam por si só. Elas não são feitas em função da pregação que segue. Assim, nenhuma leitura “serve de base” para nada; elas são feitas porque ler a Bíblia faz parte do culto cristão.

          Mas coloquei como subtítulo desta reflexão a pergunta: Sim, mas em que Bíblia? Com isso, quero levantar a questão da tradução bíblica a ser usada no culto. Sei que é um assunto muito controvertido, que não poderá ser esgotado neste espaço. Mas cabe ao menos o registro de uma opinião e o anúncio de uma novidade.

          Até recentemente, a única tradução bíblica em uso na IELB era a Almeida Revista e Atualizada. Ela ficou pronta em setembro de 1956 e, portanto, completa sessenta anos. A Atualizada é uma revisão do antigo texto de Almeida, que é de trezentos anos atrás (o Novo Testamento da tradução de Almeida foi publicado em 1681), e que sobrevive na Almeida Revista e Corrigida. Embora não exista um registro oficial, sabe-se que desde o lançamento da Almeida Atualizada, no final da década de 1960, ela está em uso na IELB. Não poderia ser diferente, na medida em que o Dr. Paul W. Schelp e outros professores do Seminário Concórdia daquele tempo participaram ativamente dessa revisão.

          Depois disto, em 1973, a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) publicou o Novo Testamento na Linguagem de Hoje. Em 1988, saiu a Bíblia completa. Aos poucos, esta tradução bíblica começou a ser usada nos cultos e em publicações da Igreja. E também começaram as controvérsias. Tanto assim que a Comissão de Teologia da IELB está preparando um documento para orientar a Igreja a respeito desta questão. De minha parte, gosto de parafrasear o apóstolo Paulo em 1Coríntios 14.19: “nas reuniões da igreja prefiro dizer cinco palavras que possam ser entendidas, para assim ensinar os outros, do que dizer milhares de palavras em línguas estranhas”. Traduzindo (e aplicando): Entre ler o que só será entendido por meio de explicação, prefiro ler em voz alta o que todos entendem de primeira. Assim, por exemplo, se a leitura da epístola não será explicada na pregação, acho que a melhor opção é fazer a leitura na Nova Tradução na Linguagem de Hoje, porque a maioria dos ouvintes conseguirá captar boa parte da mensagem de forma direta, sem necessidade de comentários. Mas não há uma regra fixa, algo do tipo: só se pode ler esta tradução. Muito depende de onde se está e quem vai ouvir. O fator determinante não deveria ser apenas a preferência pessoal do pastor.

          Felizmente – assim se espera – esse período de controvérsia tem os seus dias contados. Isso porque a SBB está preparando uma nova atualização da Bíblia de Almeida Revista e Atualizada. Será a Nova Almeida Atualizada. A primeira parte dessa revisão – um Novo Testamento com Salmos e Provérbios – acaba de ser lançado. Diante disso, teremos à disposição, a partir de agora, uma tradução bíblica bem simples (a NTLH), um texto clássico numa linguagem atual e fácil de entender (a Nova Almeida Atualizada), e edições para o estudo mais aprofundado do texto bíblico (os textos bíblicos nas línguas originais e em traduções antigas).

 

          Como é esta Nova Almeida Atualizada?

          Ela é o texto de Almeida numa formulação mais fácil de entender. É uma tradução que fica mais presa à forma dos textos originais da Bíblia, mas que ao mesmo tempo busca um estilo mais próximo do português culto escrito no Brasil de nossos dias. Nela, as formas de segunda pessoa (“tu” e “vós”) deram lugar a formas de terceira pessoa (“você” e “vocês”), com exceção de orações (como os Salmos), nas quais Deus sempre é invocado como “tu”. A ordem dos termos na frase, que, na Bíblia de Almeida, imitando o original hebraico e grego, costuma ser verbo antes do sujeito (“respondeu a mulher” – João 4.25), foi alterada para sujeito antes do verbo (“a mulher respondeu”), que é a ordem natural em língua portuguesa e não altera o significado. Formas complicadas, como “louvar-te-ei” (Salmo 9.1), foram transformadas em construções mais naturais em português brasileiro (“eu te louvarei”). Palavras arcaicas ou de pouco uso, que só podem ser entendidas por meio de consulta a um dicionário, foram substituídas por sinônimos mais fáceis, sem que se mexesse nos termos clássicos da teologia, como, por exemplo, redenção e propiciação.

Portanto, a Igreja passará a ter mais uma opção de texto bíblico a ser usado no culto. Como membro da comissão revisora, entendo que a Nova Almeida Atualizada será o texto bíblico ideal para uso no culto. É um texto clássico em roupagem moderna. Essa revisão está sendo feita para que a Bíblia de Almeida seja, nos dias atuais, o que João Ferreira de Almeida já almejava para os leitores do seu tempo: a maior dádiva e o mais precioso tesouro.


*Texto publicado no Mensageiro Luterano de setembro de 2016.

Vilson Scholz

Professor de Teologia no Seminário Concórdia vscholz@uol.com.br

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