Diferenças entre inteligência infantil e adulta e entre inteligência divina e humana.
Todo ser humano,
provavelmente, anseia destacar-se pela sua inteligência. Esse desejo íntimo (ser igual a Deus) foi utilizado pela
serpente para seduzir o homem ao pecado.
Este texto procura
definir inteligência, estabelecer as diferenças entre a inteligência infantil e
a inteligência adulta, bem como as diferenças entre a inteligência divina e a
inteligência humana, e descrever sucintamente o desenvolvimento cognitivo nas suas
principais etapas evolutivas. Por fim, analisaremos a verdadeira inteligência
humana conforme os ensinamentos bíblicos.
Natureza
da inteligência
Explicar a inteligência
não é fácil. De um modo simples, podemos dizer que ela envolve a capacidade de compreender
o meio em que se vive e resolver problemas novos, usando toda a experiência e informações
adquiridas até aquele momento.
Em cada etapa do
desenvolvimento, o ser humano alcança um outro patamar de compreensão da
realidade e passa a lidar com esta realidade cada vez com mais adequação. Isso
é produto de aprendizagem.
De acordo com Piaget, o
sujeito constrói o conhecimento na medida em que interage com o meio através de
descobertas (propriedades dos objetos, como cor, forma, tamanho) e invenções
(relações entre objetos: maior/menor, mais alto/mais baixo, em cima/em baixo/no
meio).
Inteligência infantil e adulta
Até o início do século XX
entendia-se que, pelo fato do adulto resolver muito mais problemas (e problemas
mais complexos) que uma criança, ele seria mais inteligente.
Através de suas
pesquisas, Piaget demonstrou que uma
determinada criança não resolve certos problemas porque ainda não dispõe
de uma estrutura cognitiva que lhe permita entender desafios dessa ordem.
Piaget, portanto, entendia que as diferenças entre crianças e adultos eram de
natureza qualitativa e não quantitativa; à medida que a criança se desenvolve intelectualmente,
construirá estruturas cognitivas progressivamente mais complexas e mais
abrangentes, isto é, ela não se torna mais
inteligente enquanto se desenvolve, mas passa a apresentar um tipo de inteligência diferente da do
estágio anterior.
Os estudos de Piaget têm
o mérito de compreender cada um dos passos dados pelo sujeito no domínio do
conhecimento, ou seja, explicar como a criança percebe a realidade e como o ser
humano atende às demandas do meio em cada momento do seu desenvolvimento.
A construção do
conhecimento ocorre numa sequência de estágios/fases, sendo cada um deles
necessário, e cada um resulta necessariamente do anterior e prepara o seguinte
(exceto o último).
Desenvolvimento da inteligência
As pesquisas de Piaget identificam
quatro grandes períodos de desenvolvimento:
1. Um período sensorimotor (0 a 2 anos), no qual
acriança evidencia inteligência respondendo com movimentos (ações motoras) aos
estímulos percebidos sensorialmente. Atos inteligentes manifestam-se desde o primeiro estágio de
desenvolvimento, mesmo sem a participação do pensamento.
2. Um período pré-operatório (2 a 7 anos), em que a
criança deixa de funcionar unicamente através de ações motoras e passa a ser
capaz de representar eventos internamente (pensamento) e, desse modo, planejar
ações antes de executá-las no plano da realidade. O pensamento (no início
egocêntrico e depois intuitivo) empresta ao ato inteligente uma versatilidade
que irá sendo aperfeiçoada nos dois estágios subsequentes.
A atividade lógica não
deve ser confundida com inteligência, visto que a criança já evidencia nesse
estágio atos inteligentes sem ser muito lógica. A função da lógica é a
demonstração, a busca da verdade. A necessidade de comprovar nosso pensamento
aparece mais adiante. Exemplo típico vamos encontrar na adivinhação, brincadeira comum entre crianças do final desse
período: o que pesa mais, um quilo de
pena ou um quilo de chumbo?
3. Um período de
constituição das operações concretas
(7 a 11/12 anos), em que a criança desenvolve as operações lógicas. Ela não
apresenta mais as limitações impostas pela percepção na compreensão dos
problemas, como ocorria no período anterior: ela resolve problemas de
conservação, seu pensamento é menos egocêntrico, acompanha transformações e está
apta a realizar operações inversas.
4. Um período de operações formais (que inicia por volta
dos 11/12 anos), no qual o sujeito emprega operações lógicas para lidar com
problemas hipotéticos e de proposições verbais. O sujeito opera partindo da
forma de um argumento (por isso o termo formal),
independente do seu conteúdo.
Diferenças entre a inteligência divina e a inteligência
humana
Com base no referencial
piagetiano, a inteligência divina difere qualitativamente da inteligência
humana. A compreensão da realidade pelo ser humano está muito aquém da
compreensão e conhecimento divinos. Deus não só compreende e conhece tudo
(onisciência), como também planejou e executou o projeto do universo (incluindo
a terra) e estabeleceu com sabedoria todas as leis que regem o universo mais
amplo e cada fenômeno particular (Sl 148.4-6; Pv 3.19).
Da mesma forma que um
adulto ou uma criança mais velha considera ingênuo um conhecimento ou entendimento
infantil, também nós, cristãos, precisamos assumir nossa ingenuidade e pequenez
frente ao conhecimento, sabedoria e inteligência divinos. A inteligência humana
está muito longe de alcançar a inteligência divina.
É possível que, antes do
pecado, Adão e Eva tivessem uma visão de mundo muito superior ao que o ser
humano é capaz hoje, já que fomos criados à imagem de Deus. O pecado,
certamente, limitou a inteligência humana. Comer do fruto proibido, da árvore que dá o conhecimento do bem e do mal (Gn 2.9), teve
também a consequência de limitar o conhecimento e a compreensão das coisas.
Certamente recuperaremos essa capacidade original no paraíso, após a
ressurreição.
Deus, através do profeta Isaías (Is 40.13, 25, 28; 55.8-9),
deixa bem claro que não é possível medir sua sabedoria, nem conhecer sua mente,
nem julgá-lo nem comparar pensamentos e ações divinas e humanas, pois “Os
meus pensamentos não são como os seus pensamentos, e eu não ajo como vocês.
Assim como o céu está muito acima da terra, assim os meus pensamentos e as
minhas ações estão muito acima dos seus”.
A ciência permite que
compreendamos apenas uma pequena parcela das leis e dos fenômenos estabelecidos
por Deus no universo e na terra. Mas por maior que seja o avanço da ciência,
ela apenas representará um fragmento do vasto conhecimento do universo criado
por Deus.
Essa condição gerada pelo
pecado nos leva a pretender julgar os desígnios de Deus com base numa lógica
humana. Nós somos incapazes de decifrar as razões divinas para os
acontecimentos que interferem na nossa vida, como doenças, deficiências e fatos
dolorosos. Não entendemos como Deus permite que certas coisas aconteçam conosco
ou com entes queridos.
A verdadeira inteligência humana
As leis que regem o
universo e sustentam a vida na terra foram estabelecidas por Deus na criação.
Todos os seres (animados ou inanimados) submetem-se a essas leis (que regem a
física, a química, a biologia). O homem foi criado à semelhança e imagem de
Deus, mas não conseguiu cumprir a única regra que ele estabeleceu, ou seja, não
comer da árvore que dá o conhecimento do bem e
do mal
(Gn 2.17). O que levou
Eva e Adão a comer do fruto foi o desejo (por indução da serpente) de ser igual
a Deus e passar a conhecer o bem e o mal (Gn 3.2-4).
O homem anseia alcançar uma inteligência que tudo conhece e tudo pode.
A Bíblia nos dá um indicativo
do que seríamos capazes no plano cognitivo através do exemplo de Salomão, pois “Deus deu a Salomão sabedoria, entendimento fora
do comum e conhecimentos tão grandes, que não podiam ser medidos” (1Rs 4.29).
O próprio conhecimento que
temos de Deus nos vem através da Palavra, visto que a sabedoria humana é
incapaz de alcançá-lo (1Co 1.21).
Se confiamos no médico especialista para tratar de uma doença na
suposição que ele conhece o problema, tanto mais devemos confiar em Deus que sabe
e pode tudo.
O apóstolo Tiago (Tg 3.13-17)
enfatiza que a verdadeira sabedoria e inteligência humana precisa traduzir-se
em ações. Tiago destaca, entre elas, a humildade e a sabedoria que, por sua
vez, são incompatíveis com inveja, amargura e egoísmo. O apóstolo ressalta que
a sabedoria “que vem do céu... é pacífica, bondosa e amigável... é cheia
de misericórdia, produz uma colheita de boas ações, não trata os outros pela
sua aparência e é livre de fingimento”.
Deus sabe o que é melhor para
nós. Quando o apóstolo Paulo pediu que Deus o curasse do mal que o afligia, Deus
lhe respondeu: “A minha graça é tudo o que
você precisa, pois o meu poder é mais forte quando você está fraco” (2Co 12.9).
Considerações finais
Mesmo sem esgotar o tema, apresentamos, a título de conclusão, as
seguintes considerações:
·Ninguém
nasce inteligente, mas todos dispomos de um potencial de desenvolvimento
cognitivo, especialmente durante a infância e adolescência.
·Não é
correto afirmar há superioridade da inteligência adulta em relação à
inteligência infantil. As diferenças dizem mais respeito a aspectos
qualitativos do que quantitativos. A medida de inteligência (QI) é
relativamente estável ao longo da vida.
·Nem
todos os adultos chegam a desenvolver as operações formais. Esta condição dificulta
muito o diálogo entre eles.
·Pessoas
com deficiência intelectual apresentam características infantis, ou seja, elas
se comportam como se estivessem num estágio inferior de inteligência.
·Os atos
inteligentes, bem como a sabedoria, constituem bênçãos divinas.
·Por
mais inteligente que seja o ser humano, sua capacidade representa apenas uma
partícula da sabedoria divina.
·A
verdadeira inteligência humana pode ser identificada através de algumas
qualidades pessoais como humildade, sabedoria e misericórdia.
·Com a
queda no pecado, perdemos a capacidade de compreender os atos de Deus.
Certamente, voltaremos a conquistá-la no paraíso.
Texto publicado no Mensageiro
Luterano de outubro de 2015.
Bruno Edgar Ries
Pedagogo com habilitação em Psicologia da Educação
brunories@gmail.com
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