Os desafios mundiais do luteranismo confessional


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26/02/2021 #Artigos #Editora Concórdia

O tempo de Epifania é oportuno para refletirmos sobre os desafios de ser uma Igreja Luterana Confessional no mundo de hoje

Os desafios mundiais do luteranismo confessional

            O tempo de Epifania é oportuno para refletirmos sobre os desafios de ser uma Igreja Luterana Confessional no mundo de hoje. Ao mesmo tempo, a IELB tem feito ações para auxiliar Igrejas Luteranas na África.

          Nesse contexto, trazemos um resumo, uma ligeira adaptação da mensagem do presidente da Lutheran Church Missouri Synod (LCMS), o pastor dr. Matthew Harrison, enviada à Igreja Luterana da Nigéria por ocasião do 75º Aniversário desta Igreja em solo africano.

 

Os desafios do luteranismo confessional

                Antes de enfrentar os desafios presentes e futuros, é importante lembrar os que estiveram antes de nós e enfrentaram numerosos desafios com coragem e perseverança.

           Nossos dias são preenchidos com a incerteza e o medo sobre o que o futuro reserva para nossos países, nossas famílias e nossa Igreja. Como cristãos, no entanto, somos abençoados por saber que nosso futuro está nas mãos do misericordioso e amado Deus e Senhor. Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre(Sl 118.1).

              Em 1937, o presidente emérito Fredrick Pfotenhauer, comentando sobre a herança missionária da Igreja Luterana no sermão “O dever da Igreja Luterana de ser uma Igreja Missionária”, disse: “Aqui e acolá se afirma que Lutero e a Igreja Luterana de seu tempo negligenciaram as missões. Que noção mais tola! Lutero é, depois dos apóstolos, o maior missionário... Lutero, em seus dias, encheu a Europa toda até o limiar da Ásia com o Evangelho... Pregadores luteranos levaram o Evangelho a muitas terras, e alguns selaram a sua mensagem com o sangue de mártir”.

               Em 1928, Jonathon Ekong veio para os Estados Unidos a fim de obter formação teológica e procurar uma Igreja disposta a enviar missionários para o povo Ibesikpo, Asutan, Nigéria: “uma Igreja que ensinasse a Palavra de Deus em sua pureza e também ajudasse no estabelecimento de boas escolas”. O Senhor guiou Jonathan Ekong à Igreja Luterana do Sínodo de Missouri e às Igrejas Luteranas da Conferência Sinodal.

        Em 24 de abril de 1936, o dr. Henry Nau foi enviado à Nigéria como primeiro missionário luterano residente. No início de 1937, juntaram-se a ele Vernon Koeper, o pastor William H. Schweppe e a senhora Helen Kluck. Após isso, durante 75 anos, missionários dedicados serviram ao lado de pastores fiéis, professores e leigos da Igreja Luterana da Nigéria construindo congregações, escolas, um seminário e clínicas médicas.      

                Em suas memórias, o fundador da LCN, pastor Jonathan Udo Ekong (1881-1982), exortou os nigerianos a agradecer a Deus “pelos homens e pelas mulheres que deixaram sua terra para nos trazer o conhecimento da Palavra Salvadora de Deus. Essas pessoas passaram por caminhos ásperos e difíceis - muitos perderam suas vidas - a fim de trazer esta mensagem de salvação para o nosso país. Eles não vieram em busca de riqueza para si mesmos, não vieram por conta do comércio de escravos... Eles vieram para a nossa terra com o coração cheio de amor e compaixão, e seu desejo era apenas proclamar a nós o amor de Jesus Cristo, que o levou à cruz para morrer pelos pecadores”.

        Hoje, os dons de perdão, vida e salvação eterna que ele conquistou na cruz continuam a fluir por toda a Nigéria e por toda parte do mundo onde igrejas luteranas e pastores luteranos banham seu povo na Palavra Refrescante de Deus proclamada dos púlpitos e que são recebidos também no Santo Batismo e na Ceia do Senhor em fontes e altares.

           Aqui reside a maior força da Igreja Luterana. Recebemos a grande herança da Reforma de Martinho Lutero e de nossos pais luteranos, ou seja, o ensino puro da Doutrina da Justificação. Somos justificados por graça mediante a fé em Cristo. Foi esse tesouro da Reforma que atraiu o pastor Ekong à Conferência Sinodal das Igrejas Luteranas da América do Norte em 1928. E é esse tesouro que continua a ser a pedra angular sobre a qual continuamos a construir.

É certo que a Igreja Luterana enfrenta muitos desafios em todo o mundo, mas, com Cristo, o nosso alicerce, podemos enfrentá-los com o coração alegre e confiante. Pois, “a pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular; isto precede do Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos. Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Sl 118.22-24).

 

 Desafios, problemas e oportunidades

            Em 1967, no aniversário de 75 anos das missões luteranas na África do Sul, o pastor Friedrich Wilhelm Hopf escreveu um ensaio chamado “A Igreja Luterana faz missão luterana”. O corolário também é verdadeiro: “As missões luteranas devem levar a igrejas luteranas”. Isso requer pastores luteranos que estejam “aptos para ensinar”, que foram meticulosamente treinados na doutrina e na prática luteranas...

Onde quer que missionários luteranos tenham passado, eles estabeleceram seminários para treinar pastores e escolas luteranas para treinar os leigos para a vida e a vocação cristã. Como presidente da LCMS, educação teológica é uma das minhas principais prioridades. Temos de ir em frente com fé, como fizeram os nossos antepassados ​​que encontraram os meios para apoiar as missões na Nigéria, Índia, Papua Nova Guiné e em outros lugares, apesar da depressão econômica e da guerra mundial.

Se as igrejas luteranas no mundo todo pretendem resistir aos crescentes ataques religiosos e teológicos a respeito da verdadeira fé, precisam ter teólogos, pastores e leigos exaustivamente treinados em teologia luterana.

 

 

Culto luterano

           As missões luteranas devem conduzir a igrejas luteranas com culto luterano, isto é, com liturgia e hinos luteranos... Missões luteranas devem levar ao estabelecimento de igrejas luteranas. Igrejas luteranas são igrejas litúrgicas por razões teológicas. Doutrina e prática estão inseparavelmente unidas. A prática luterana reflete, ensina e confessa a doutrina luterana.

            Um dos grandes desafios para as igrejas luteranas ao redor do mundo hoje vem da adaptação de formas de culto e música dos movimentos de reavivamento e neopentecostais. Há um ditado que remonta ao século 5º atribuído a um homem chamado Próspero de Aquitânia: “A forma como você cultua determina aquilo que você crê”. Isso continua sendo verdade hoje: se você cultua como um muçulmano, você vai se tornar um muçulmano; o culto budista gera seguidores do budismo; se você cultua como um católico romano, você vai se tornar um católico romano; se você cultua como um pentecostal, você se tornará um pentecostal. Assim, o culto luterano produz cristãos luteranos e os mantém cristãos luteranos. O compositor luterano contemporâneo Stephen Starke observou corretamente: “Há pastores luteranos que nunca permitiriam que um pastor batista pregasse sermões de seu púlpito, mas não veem nenhum problema em colocar regularmente as palavras de hinos batistas na boca de seu povo”.

 

Desafios do Ocidente e da África

           Muitos dos desafios identificados acima fluem do Ocidente e alcançam ou são impostos ao resto do mundo. No Ocidente, muitos desses desafios resultam da destruição das famílias a partir de uma variedade de males sociais que vão desde aborto, divórcio, homossexualidade e decadência dos costumes em geral. Nos últimos tempos, enquanto muitos líderes de igrejas permanecem calados como “cães mudos” (Is 56.10), proeminentes bispos africanos têm sido capazes de falar a verdade das Escrituras sobre esses pecados de uma forma que inspira o remanescente fiel no Ocidente. A comunicação global e as viagens permitem que a Igreja no Ocidente ouça agora vozes africanas que de outra forma não iria ouvir. Que haja mais estímulos positivos para vocês e para nós através dessas ferramentas que nos foram dadas por nosso Senhor nesse momento! Essas ferramentas também nos permitem, como Corpo de Cristo, estar cientes quando um de nossos membros está sofrendo.

             O dr. Martinho Lutero, observando como o Sacramento do Altar nos torna um só corpo em Cristo, disse: “Quem pode ferir uma parte do corpo, sem ferir o corpo todo? Qual dor pode ser sentida pelo dedinho do pé que não é sentida por todo o corpo? Nós somos um só corpo. Qualquer dor que o outro sofre, eu também sofro e suporto. Tudo de bom que acontece comigo, também acontece com ele. Assim, Cristo diz que tudo o que for feito a um dos menores irmãos é feito com ele”. Assim, devemos pedir a Deus: Perdoa-nos por não sentirmos quando nossos irmãos e nossas irmãs em Cristo da Igreja Luterana da Nigéria (e de outros lugares) têm enfrentado necessidade ou dor.

          Que Cristo fortaleça a unidade que compartilhamos na pregação pura do seu Evangelho e na correta administração dos seus dons de perdão encontrados nos sacramentos.

 

Todas as coisas cooperam para o bem

          O Livro de Concórdia, na Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida, artigo XI, parágrafos 48-50, afirma o seguinte:

         “Proporciona essa doutrina, outrossim, glorioso consolo em cruz e tentações, a saber, que Deus determinou e decretou, em seu conselho, antes do tempo do mundo, que vai assistir-nos em todas as situações difíceis, conferir-nos paciência, dar-nos conforto, suscitar esperança e prover desfecho que seja para a nossa salvação. Também, conforme disso trata de maneira mui consoladora Paulo em Romanos 8, que Deus ordenou em seu propósito, antes do tempo do mundo, através de que cruzes e sofrimentos haveria de tornar cada qual de seus eleitos conforme “à imagem de seu Filho”, e que a cruz de cada um deve e tem de “cooperar para o bem” dele, já que “são chamados segundo o propósito”, de onde Paulo inferiu como certo e indubitável que “nem tribulação, nem angústia, nem morte, nem vida, etc. nos podem separar do amor de Deus em Cristo Jesus” (cf. Rm 8.28,29,35,38,39). Esse artigo igualmente dá glorioso testemunho de que a Igreja de Deus existirá e permanecerá contra todas as portas do inferno (Mt 16.18)”.

        Nosso Senhor não apenas promete que no final o bem surgirá dos sofrimentos e das cruzes que levamos neste mundo como seu povo e sua Igreja, mas que ele próprio escolheu essas cruzes, sofrimentos e desafios para nós, para que nada pudesse nos tirar de sua mão. Não só isso, mas através dessas cruzes, nosso Senhor nos conforma à imagem de seu Filho. Como Isaías profetizou sobre Jesus: “Ele não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse. Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens” (Is 53.2-3). Assim é para os cristãos e a Igreja do Senhor neste mundo. Nós carregamos a imagem de nosso Salvador ao ser pendurado na cruz. Por meio dos sofrimentos e desafios que enfrentamos, o Senhor leva nossa carne pecaminosa à morte, e ele promete elevar-nos à vida com ele, assim como ele ressuscitou. Embora desprezada pelo mundo, as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja do Senhor.

              O maior recurso que temos e que transforma cruzes, sofrimentos e desafios em oportunidades é o puro Evangelho de Jesus Cristo, que vence o pecado com o perdão e a morte pela ressurreição. Vocês têm a Palavra de Deus que vence o mal e transforma a morte em vida. A menor igreja possui o mesmo idêntico tesouro que a maior igreja também possui - nosso Senhor Jesus, sua Palavra e seus sacramentos. Em face dos desafios, sua Palavra oferece oportunidades. Em face do liberalismo, secularismo, Islã, decadência moral, etc., a Igreja tem a oportunidade de TESTEMUNHAR (martyria), isto é, testemunhar e proclamar a verdade a um mundo que não conhece a verdade; de mostrar MISERICÓRDIA (diakonia) a pessoas que necessitam de compaixão e amor cristãos; e de ter uma VIDA EM COMUNHÃO (koinonia) com outros membros do Corpo de Cristo, que vivem sob a sombra da cruz, reunidos em torno da Palavra e dos sacramentos.

          O TESTEMUNHO ocorre quando Jesus é proclamado como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Cada cristão testemunha Jesus quando Cristo é anunciado de acordo com nossa vocação e nosso lugar na vida. Uma pessoa que recebeu o perdão e a misericórdia de Cristo não pode agir de outra forma a não ser mostrando MISERICÓRDIA para com outras pessoas, a começar pelos membros da família de Deus. Como povo perdoado de Deus, temos koinonia, comunhão, ou VIDA EM COMUNHÃO como Corpo de Cristo.

 

 A vida em comunhão

          Como parte de uma VIDA EM COMUNHÃO no século 21, precisamos promover uma melhor comunicação entre os luteranos em todo o mundo, particularmente com aqueles que partilham da nossa fidelidade às Sagradas Escrituras e às Confissões Luteranas.

           As igrejas luteranas confessionais deveriam ter um repositório online, um site onde as mais recentes notícias poderiam ser postadas a partir de nossos parceiros em todo o mundo. Como membros do Corpo de Cristo, temos o dever de “manter os olhos bem abertos” e estar cientes do que está acontecendo em cada uma das outras igrejas a fim de que possamos permanecer “em constante contato com os acontecimentos e as necessidades do Reino de Deus”. Estar em contato com as necessidades do Reino de Deus nos permite orar uns pelos outros, encorajar uns aos outros e criar estratégias e planos sobre como podemos trabalhar melhor em conjunto, sendo melhores mordomos dos recursos que nosso Senhor deu a cada um de nós para que compartilhássemos uns com os outros.

               Uma das grandes contribuições que o Sínodo Missouri fez para a história do luteranismo é a correta distinção entre Lei e Evangelho enfatizada por Walther. Uma boa pregação de Lei e Evangelho não é apenas um sermão com um esboço em duas partes, em que na primeira parte se fala daquilo que o ser humano faz de errado, e na segunda, de como Jesus conserta esse erro, mas é uma poderosa pregação onde a Lei é pregada em sua severidade total e o Evangelho em sua completa doçura.

              Os cristãos que foram perdoados por Cristo não apenas dão TESTEMUNHO de Cristo através do Evangelho, mas também dão TESTEMUNHO demostrando MISERICÓRDIA uns para com os outros e também para com os necessitados. No cuidar do corpo, podem também surgir oportunidades para que a Igreja dê TESTEMUNHO a pessoas que ainda não ouviram o Evangelho de Jesus. Esses esforços podem nos ajudar a construir uma VIDA EM COMUNHÃO para luteranos confessionais no mundo inteiro.

 

Conclusão

                 Agora é o momento que o Senhor dedicou para que sejamos uma Igreja Luterana Missionária no mundo e que faz missão luterana e que planta comunidades luteranas. Temos a promessa segura e certa do Senhor de que ele vai trabalhar todas as coisas para o nosso bem e que, de fato, nenhuma das cruzes, sofrimentos e desafios que enfrentamos pode nos tirar de sua mão. Ele nos chamou para dar um TESTEMUNHO fiel, mostrar MISERICÓRDIA para com o outro, enquanto temos uma VIDA EM COMUNHÃO sob a cruz de Jesus. Os muitos desafios que enfrentamos como povo do Senhor em uma sociedade em decomposição também são uma oportunidade para compartilhar a esperança que temos em Cristo e para oferecer a única coisa que pode realmente fazer a diferença. O Senhor nos deu as ferramentas e os recursos para esse momento em que nos encontramos, e ele promete dar-nos força e coragem para enfrentarmos o que está diante de nós.

 

Dr. Matthew Harrison,

Pastor presidente da LCMS

www.wmltblog.org

 


Título Original: The Challenges of Lutheranism Worldwide 

Disponível em: http://wmltblog.org/2011/09/page/2/

Tradução: Matias Auel e Hermann Auel

Adaptação: Nilo Wachholz

 

 

*Este texto foi publicado no Mensageiro Luterano de janeiro/fevereiro de 2013.

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