Uma reflexão sobre morte, céu e ressurreição à luz de 2Coríntios 5.1-10
1Pois sabemos que, se a nossa casa terrestre deste
tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, uma casa não feita
por mãos humanas, eterna, nos céus. 2E, por isso, neste tabernáculo
gememos, desejando muito ser revestidos da nossa habitação celestial; 3se,
de fato, formos encontrados vestidos e não nus. 4Pois nós, os que
estamos neste tabernáculo, gememos angustiados, não por querermos ser
despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida. 5Ora,
foi o próprio Deus quem nos preparou para isto, dando-nos o penhor do Espírito.
6Por isso, temos sempre confiança e sabemos que,
enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor. 7Porque andamos por
fé e não pelo que vemos. 8Sim, temos tal confiança e preferimos
deixar o corpo e habitar com o Senhor. 9É por isso que também nos
esforçamos para ser agradáveis a ele, quer presentes, quer ausentes. 10Porque
é necessário que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo, para
que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo. (Nova Almeida
Atualizada)
O texto de 2Coríntios 5.1-10 é considerado
um dos mais difíceis dentro das cartas do Novo Testamento. Um dos motivos é
que, aparentemente, o apóstolo Paulo mudou de ideia quanto às “coisas
relacionadas com o fim”, especialmente no que diz respeito à sua expectativa da
ressurreição. Afinal, em 1Coríntios 15.52, ele afirma que os mortos (eles, sim)
ressuscitarão, e que nós (os que estivermos vivos, entre os quais Paulo se
incluía) seremos transformados (sem passar pela morte). No momento de escrever
a Segunda Carta aos Coríntios, parece que Paulo contava com a possibilidade de
que “o cântaro vá se quebrar junto à fonte”, para usar a metáfora de
Eclesiastes 12.6. É que Paulo havia passado por uma experiência da qual ele nem
esperava sair com vida (2Co 1.8), e da qual nos faltam maiores detalhes. E, em
2Coríntios 4.14, o apóstolo confessa que Deus “nos ressuscitará”. E ressuscitar
só pode quem já morreu. Mas será que Paulo mudou de opinião, desistindo da
esperança da ressurreição em favor de algo diferente? O estudo do texto irá
responder.
De início, cabe examinar o que vem
imediatamente antes do capítulo cinco e que pode explicar o motivo por que
Paulo se expressa assim no capítulo cinco. Paulo havia falado sobre o ser
exterior que se desgasta (2Co 4.16). Também deixou claro que não olhamos para as
coisas que se veem, porque essas são temporais, passageiras (2Co 4.18). Isso
poderia dar a impressão de que o corpo não interessa. Está se desgastando, vai
morrer, é passageiro, que se desfaça. Esqueça o corpo! Em resposta a isso, que
seria um mal-entendido, Paulo se manifesta em 2Coríntios 5.
Ele começa com um “sabemos”, que
pressupõe algo que é, por assim dizer, de domínio público cristão. Será que
era mesmo? Será que é em nossos dias? O que “sabemos”? Paulo escreve uma
oração condicional: “Se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se
desfizer”. Ele se vale de uma metáfora, uma figura. Não está falando
literalmente sobre a demolição de uma casa. Mais adiante ficará evidente que
ele fala sobre a morte do corpo. Mas o texto diz “se”. Se? Se eu morrer? Não
teria de ser “quando eu morrer”? Na verdade, quem espera para qualquer
momento a vinda de Cristo (e a ressurreição que virá junto com ela), mesmo
estando no leito da morte, ainda dirá “se eu morrer”!
Paulo usa a metáfora da casa e logo
emenda que se trata de um tabernáculo, uma tenda. Esta é uma figura apropriada
para o corpo, pois uma tenda não é permanente: é montada e, depois de algum
tempo, desmontada. E agora vem a primeira surpresa. Quando poderíamos esperar que ele dissesse algo
como “desmontada a tenda desse corpo, iremos para o céu, morar com Jesus”, ele
diz: “temos da parte de Deus um edifício, uma casa não
feita por mãos humanas, eterna, nos céus”. Paulo contrapõe à frágil tenda um sólido
edifício, uma construção. Ela não é feita por mãos humanas, o que significa que
é algo feito por Deus. Como é obra de Deus, é casa eterna, nos céus. Mas não é
uma casa na qual entraremos para morar, e sim nós, nosso corpo glorioso (1Co 15.44-49),
sob a figura de uma casa, como ficará claro a partir da continuação do texto. (À
primeira vista, Paulo parece falar sobre um “outro eu”, já pronto no céu. O
biblista luterano Martin Franzmann chegou a escrever: “Paulo pensa nesse corpo
novo, o corpo glorioso, como preparado e pronto para a pessoa remida nos
céus, uma nova vestimenta, pronta para ser usada na glória”. Mas é preciso
continuar a leitura, para entendermos bem o que o Paulo está dizendo.)
Paulo acrescenta: “E, por isso, neste tabernáculo gememos,
desejando muito ser revestidos da nossa habitação celestial” (v. 2). Na tenda,
agora, gememos (este é o vale de lágrimas!) e temos o intenso desejo, não
propriamente de partir e entrar no céu (Paulo falará disso, em parte, mais
adiante), mas de sermos revestidos de nossa habitação celestial. Não é um
desejo de ir morar no céu, mas de receber, do céu, essa casa eterna, não feita
por mãos humanas, que é o corpo glorioso da ressurreição. Paulo mostra que a
esperança primordial do cristão é ser revestido de algo que vem do céu, e não propriamente
“morrer e ir para o céu”. (Onde nossa tradução diz “habitação celestial”, o
texto original tem “a nossa habitação, a que vem do céu”.)
Junto com a figura das
construções (tenda, edifício), Paulo apresenta uma segunda metáfora, a da
vestimenta. Aquilo que esperamos é como um fulgurante edifício celestial (o
corpo glorioso) que irá revestir a frágil tenda (nossa existência agora). Isso é
como colocar uma roupa luxuosa sobre os trapos que vestimos agora. No versículo
4, Paulo diz isso com todas as letras, ao falar sobre o mortal que é absorvido
(literalmente, “engolido”) pela vida.
Antes disso, no começo do versículo 4, Paulo ensina que,
angustiados, gememos (com a cabeça erguida), “não por querermos ser despidos,
mas revestidos”. Isto significa, em linguagem direta, que nosso anseio não é
virarmos uma “alma despida” (isto é, uma alma desencarnada), mas um “corpo
revestido por um corpo glorioso (como o de Cristo)”. Não há salvação plena sem
o corpo. Em Romanos 8.23, afirma-se expressamente que aguardamos “a redenção do
nosso corpo”. Nada poderia contradizer mais frontalmente a visão espírita de
almas que desencarnam e reencarnam! E, se nada está completo antes da
ressurreição, numa cerimônia de sepultamento não será possível dizer: “Dona
Maria agora alcançou aquilo que sempre almejava!”. Não. O estágio final ainda
não foi alcançado no momento da morte; ainda falta a ressurreição.
No versículo 6, Paulo apresenta mais uma coisa que
“sabemos”, que é de domínio público cristão. “Sabemos que, enquanto no corpo,
estamos ausentes do Senhor”. De fato, a nossa cidadania é celestial (Fp 3.20) e,
enquanto aqui estamos, vivemos em terra estranha. Estamos ausentes do Senhor.
Andamos por fé e não pelo que vemos (v. 7). Andando em terra estranha, sem
enxergar o que esperamos (e que seremos), a preferência é “deixar o corpo e habitar
com o Senhor” (v. 8). Sim, de fato, “se (ou quando) a nossa casa terrestre se
desfizer”, vamos “estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp
1.23). Paulo não nega isso. Ele não fala diretamente sobre “imortalidade da
alma” e não usa a linguagem teológica de um “estado intermediário da alma”, mas
é exatamente isso que ele diz. A Bíblia não ensina o aniquilamento da alma ou
da vida no momento da morte. Só que esse “deixar o corpo” (na morte) não é a
opção cristã preferencial nem a fase final da nossa existência. Por isso Paulo
conclui esse trecho de sua carta, no versículo 10, com a referência ao tribunal
de Cristo. Nada será final e definitivo antes desse Grande Julgamento.
Este é o texto bíblico de 2Coríntios 5.1-10. É hora de abrir
espaço para perguntas.
1) Sim, mas o que
podemos dizer a respeito do céu? É errado dizer que, ao morrermos, vamos para o
céu? Resposta: Não, não é errado, como o texto de 2Coríntios 5 mostra. Mas
depende, em parte, de como entendemos “céu”. Como alguém se expressou, “o céu
precisa ser determinado antes e acima de tudo em termos cristológicos”. Isso
significa que “estar no céu” é estar “com Cristo” (Fp 1.23) ou “habitar com o
Senhor” (2Co 5.8). Isso só será pleno quando nosso corpo for “igual ao corpo da
sua glória”, isto é, ao corpo da glória de Cristo (Fp 3.21).
2. Onde fica o céu, exatamente? Fica lá em cima? Resposta:
A Bíblia usa a linguagem de subir e descer (Jesus subiu ao céu, At 1.11; o
Senhor “descerá dos céus”, 1Ts 4.16). Também costumamos apontar para cima. Mas
o céu não é um lugar fixo acima das nuvens ou atrás da cauda de um cometa. Os teólogos
preferem dizer que o céu é um “lugar”, a habitação de Deus, sem que se diga
onde exatamente fica. A Bíblia não nos permite dizer nada mais definitivo.
3. É certo dizer que
podemos ter um “cantinho do céu” já nesta vida? Resposta: Se céu é estar
com Deus, estar com Cristo, o fato de estarmos em Cristo já representa, sim, um
cantinho do céu. Note que Paulo fala, no texto que estudamos (2Co 5), que “foi
o próprio Deus quem nos preparou para isto, dando-nos o penhor do Espírito”. O Espírito
é o Espírito Santo, que é Deus juntamente com o Pai e o Filho. Esse Espírito
nos é dado. Que bênção! Mas ele é dado como penhor, como garantia de que coisa
muito maior ainda virá. A presença do Espírito Santo, pela fé, é o céu que
temos agora, e é garantia do céu pleno que teremos depois.
4. Como é mesmo o céu? É verdade que lá existem ruas de
ouro e de cristal? Por que o senhor não escreve um livro sobre o céu? Resposta:
Muita gente pensa que a Bíblia está cheia de descrições do céu (e do inferno),
mas isso não é bem assim. A Bíblia conta uma história que, em grande parte, se
passa na Terra. Essas referências a ouro e cristal vêm do Apocalipse (Ap 21.21;
22.1). Ouro e cristal são maneiras simbólicas de descrever a beleza e perfeição
desse ato de contemplar a face de Cristo (Ap 22.4). Quanto a escrever um livro,
seria um livro bem pequeno, porque não há muito a dizer, se tudo que podemos
dizer é o que a Bíblia ensina. Em 2Coríntios 12.4, Paulo fala sobre um
arrebatamento ao paraíso, onde “ouviu palavras indizíveis, que homem nenhum tem
permissão para repetir”. Diante da proibição, só nos resta calar.
5. O céu é meio assim como uma nuvem transparente, uma coisa
nebulosa, como costuma aparecer em filmes? Resposta: O céu é espiritual, no
sentido de ser coisa de Deus, mas, segundo o teólogo C. S. Lewis, é a coisa
mais concreta que existe, porque é realidade pura. Lewis escreveu: “A natureza
do céu é mais literal do que as palavras mais literais que temos em linguagem
humana para descrevê-lo”.
6. Podemos dizer que teremos um “reencontro no céu” com os
nossos familiares, como os pastores falam nos enterros? Resposta: A Bíblia
não fala sobre isso diretamente. Ela fala sobre o encontro com Cristo,
pois “o veremos como ele é” (1Jo 3.2). Mas, à luz de textos como Mateus 6.33
(ao Reino todas as coisas serão acrescentadas) e Romanos 8.32 (se Deus nos deu
o próprio Filho, com certeza nos dará graciosamente com ele todas as coisas),
certamente nos dará também essa felicidade de um reencontro no céu com todos os
que são de Cristo e estão com Cristo.
7. O fato de a salvação ser a
redenção do nosso corpo, como diz Romanos 8.23, tem implicações práticas para o
aqui e agora, não é mesmo? Resposta: Tem implicações, sim. Cuidar da alma,
como dizemos, é cuidar do corpo também. Porque somos salvos como pessoas
inteiras, corpo, inclusive. Não somos seguidores de Platão, nem espíritas;
somos cristãos. Nessa condição, cuidamos do corpo, da saúde, das plantas, dos
animais, dos rios – de tudo o que Deus criou.
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