Aprendendo a ofertar com o apóstolo Paulo


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09/07/2021 #Estudos #Editora Concórdia

Paulo não escreveu diretamente sobre “Como ofertar”, mas textos tirados de suas cartas aparecem em todos os “manuais de mordomia”.

Aprendendo a ofertar com o apóstolo Paulo

O apóstolo Paulo, figura das mais fascinantes em toda a Bíblia, dispensa maiores apresentações. Foi apóstolo de Cristo, missionário, pastor e teólogo. Escreveu o texto que é possivelmente o mais antigo em que se fala sobre algum tipo de “salário” para alguém que está no ministério do ensino da Palavra de Deus. Em Gálatas 6.6, ele escreve: “Aquele que está sendo instruído na palavra compartilhe todas as coisas boas com aquele que o instrui”.

Sobre o tema das ofertas, Paulo não escreveu diretamente um manual de “Como ofertar”, mas textos tirados das cartas de Paulo aparecem em todos os “manuais de mordomia”. “Cada um contribua segundo tiver proposto no coração.” “Deus ama quem dá com alegria.” Estes são textos conhecidos. Isso mostra que, se Paulo não escreveu propriamente um manual, ele tem muito a dizer a respeito do assunto.

De fato, Paulo esteve envolvido com o recolhimento de ofertas durante uma porção de anos. No encerramento de um ciclo de sua atividade evangelística, na região onde hoje fica a Grécia (e a Turquia), Paulo se dispôs a coroar essa atividade com uma ajuda financeira para os cristãos empobrecidos da Judeia (Jerusalém e arredores). Não era dinheiro para seu próprio sustento nem mesmo dinheiro para levar adiante a obra missionária: era o que hoje chamaríamos de um projeto de ação social baseado na fé comum e no amor fraterno. Mas o que Paulo escreve serve de orientação para qualquer projeto em que esteja envolvida a coleta de recursos ou dinheiro. Assim, podemos aprender a ofertar com o apóstolo Paulo.

Inicialmente, alguns dados a respeito do apóstolo Paulo. Ele se diz pobre (2Co 6.10). Para seu sustento, trabalhava “com as próprias mãos” (1Co 4.12; 1Ts 2.9). Em suas cartas, Paulo não especifica o ofício. Segundo o livro de Atos (At 18.3), era “fazedor de tendas”. Na prática, era um artesão que trabalhava com couro. Alguma razão especial para escolher esse ofício? Há quem diga que isso tinha a ver com questões de ordem prática: as ferramentas de um artesão podiam ser facilmente levadas de um lugar a outro. Paulo fez questão de deixar claro à igreja de Corinto que ele abriu mão de receber ajuda (1Co 9.15-18) – dos coríntios. Porque, se reunirmos os dados que aparecem em outras epístolas, veremos que ele recebeu ajuda de algumas igrejas. Não propriamente um salário, mas aquilo que hoje chamaríamos de “benefícios” (como, por exemplo, hospedagem; ver Rm 16.23). Além disso, em vários momentos ele fala sobre “ser encaminhado nas viagens” (Rm 15.24; 1Co 16.6; 2Co 1.16). Esse “encaminhar” envolvia bem mais do que ajudar o apóstolo a chegar ao porto, para embarcar nalgum navio. Como naquele tempo não havia “serviço de bordo” nos barcos e navios, cada passageiro tinha de levar os alimentos a serem consumidos durante a viagem. Paulo dependia da ajuda dos irmãos para isso. E, por último, havia aquele “dar e receber” de que ele fala no final da carta aos Filipenses (Fp 4.15), ao agradecer a ajuda recebida dos cristãos de Filipos. Ao escrever “recebi tudo” (Fp 4.18), Paulo estava passando um recibo.

O principal ensino de Paulo a respeito de bens materiais e ofertas aparece em textos nos quais ele trata da “coleta em benefício dos pobres dentre os santos que vivem em Jerusalém”, como ele se expressa em Romanos 15.26. Essa coleta ocupou um lugar muito importante no ministério de Paulo. Mais que campanha isolada ou momentânea, foi o projeto de no mínimo uns três anos de duração. Paulo não explica o que o levou a levantar essa coleta, mas certamente o motivo principal era simplesmente “ajudar os necessitados”.

Levando em conta a ordem em que os textos foram escritos, Paulo trata desse assunto em 1Coríntios 16.1-4, 2Coríntios 8 e 9 (dois capítulos), e, por fim, Romanos 15.22-33. São textos que revelam uma compreensão cristã dos bens e trazem uma fundamentação para o ato de ofertar. Claro que essa coleta é historicamente condicionada, pois não é uma instituição para a igreja cristã de todos os tempos. Era uma emergência temporária, e não de um projeto permanente de remessa de ajuda para a Judeia. Aquela coleta não tem relação direta com o que hoje chamamos de “manutenção do trabalho da igreja”, pois, como já foi indicado, a projeto se insere mais no campo da ação social. Mas é exemplar a maneira como Paulo relaciona seu apelo com o que significa ser cristão. Os princípios que ele verbaliza se aplicam ainda hoje. E cabe ressaltar que Paulo em momento algum apela para a lei do dízimo.

O texto de 1Coríntios 16.1-4 deixa claro que várias igrejas fundadas por Paulo estavam envolvidas no projeto da coleta, incluindo as igrejas da Galácia. Ele também usa um verbo bastante forte: “ordenei”, isto é, dei ordens. (Na Segunda Carta aos Coríntios, quando a relação entre Paulo e a igreja estava fragilizada, Paulo precisa usar uma série de argumentos. Não será mais possível “ordenar”.) Ele menciona o “primeiro dia da semana”, que é o nosso domingo, com certeza o dia do culto cristão em Corinto. Fala sobre “separar uma quantia”, sem dizer exatamente quanto, acrescentando a importante frase “conforme a sua prosperidade”. (Essa frase pode ser traduzida também por “na medida em que Deus o tiver abençoado”.) Quem tivesse mais condições poderia fazer uma oferta mais significativa.

Paulo fez questão de envolver os cristãos nesse projeto, esperando que mensageiros aprovados pela igreja levassem os recursos a Jerusalém. Ao escrever essa Primeira Carta aos Coríntios, Paulo ainda não tinha resolvido se ele também iria ou não a Jerusalém. Mais adiante, ao escrever a Carta aos Romanos, estava claro que ele iria também (Rm 15.25-28). Foi ao final dessa viagem que Paulo foi preso, no Templo, em Jerusalém, segundo o relato de Atos.

A argumentação mais detalhada e concentrada em favor da coleta aparece em 2Coríntios 8 e 9. Não será possível comentar todos os detalhes desses dois capítulos, e é praticamente impossível resumir um texto desses. Assim, no que segue, aparecem apenas alguns pontos principais, seguidos de breves comentários. Sugiro que, inicialmente, você faça a leitura do texto de 2Coríntios 8 e 9.

 Eis alguns pontos que podem ser destacados:

1. Profunda pobreza pode vir acompanhada de riqueza de generosidade (2Co 8.2).

2. É possível comparar o amor de uns com a dedicação dos outros (2Co 8.8; 8.1-4; 9.1-5). Paulo apresenta o exemplo de uma igreja para estimular outra igreja, criando uma espécie de espírito de competição. No começo de 2Coríntios 8, ele estimula os coríntios (os mais abastados do Sul), citando o exemplo dos macedônios (os bem pobres do Norte). No começo de 2Coríntios 9, ele informa aos coríntios que falou bem deles aos macedônios e pede que não o decepcionem ou façam passar vergonha. Hoje esse tipo de argumentação nem sempre é bem-visto, mas o apóstolo de Cristo não teve receio de fazer uso dela.

3. A oferta ou o engajamento num projeto de ajuda faz parte de algo maior e mais fundamental: dar-se ao Senhor (2Co 8.5).

4. Abundância tem várias dimensões (fé, palavra, saber), incluindo uma dimensão bem prática: ofertas (2Co 8.7).

5. Não há riqueza maior do que aquela que recebemos de Cristo (2Co 8.9). Cristo não é apresentado como modelo de doação, mas o enriquecimento que ele trouxe é estímulo ao cristão. Paulo não diz “Façam como Cristo fez” ou “Façam por outros o que Cristo fez por vocês”, mas “Façam o que é apropriado na condição de pessoas que foram enriquecidas pela graça de Cristo”.

6. Não basta querer; é preciso fazer (2Co 8.10-11).

7. O tamanho da oferta não é o que ela é em si, mas o que representa em relação ao que a pessoa tem, seja pouco, seja muito (2Co 8.12). Sempre é mais fácil pensar em contribuir sobre o que não se tem, pensando assim: “Se a gente tivesse mais dinheiro, ficaria mais fácil”. Paulo alerta: “A oferta será aceita conforme o que a pessoa tem e não segundo o que ela não tem” (v. 12).

8. Num conjunto de igrejas (a convenção ou o sínodo paulino), o ideal é a igualdade, que é o contrário de alívio para uns e sobrecarga para outros (2Co 8.13-14). O ideal da igualdade replica em parte o que foi feito na igreja de Jerusalém, segundo o relato de Atos 2 e Atos 4. Paulo não fala sobre juntar tudo e dar porção igual a cada um, pois tem em vista algo como a igualdade numa grande família em que os mais prósperos ajudam os mais necessitados e podem esperar a recíproca no momento em que os ventos mudarem.

9. Paulo não argumenta com o dízimo, mas, ao citar o texto de Êxodo 16.18, ele invoca o que alguém chamou de “economia do maná” (2Co 8.15).

10. Dedicação e voluntariedade aparecem no topo da escala de valores de Deus, como mostra o exemplo dos macedônios e de Tito (2Co 8.16-17).

11. A coleta (a que Paulo dá diferentes nomes, incluindo “esta graça”) é demonstração de boa vontade e resulta na “glória do próprio Senhor” (2Co 8.19).

12. Em questão de finanças na igreja, não basta dizer “Deus sabe que tudo está correto” (2Co 8.20-21). Transparência e responsabilidade no trato com o dinheiro da igreja são essenciais para evitar mal-entendidos e acusações de fraude. Podemos chamar isso de “princípio da auditoria”.

            13. Deus dá as condições para que se possa ser generoso (2Co 9.6-10). Paulo não está fundamentando uma “teologia da prosperidade” (vamos dar mais, para que Deus nos dê mais também). Paulo assegura a cristãos temerosos que Deus não lhes deixará faltar. Não para que se tenha muito, mas para que se possa ser generoso (“a fim de que ... vocês sejam abundantes em toda boa obra”, v.8).

            14. Só pode contribuir com alegria quem reconhece a graça de Deus (2Co 9.7).

15. Uma ajuda a outros, especialmente outra igreja, nunca é apenas uma ajuda financeira. Sempre faz parte de uma “comunhão cristã”, que envolve reconhecimento e glorificação de Deus pelo fato de se ter a mesma confissão de fé. Essa comunhão se expressa também por meio de oração de uns pelos outros (2Co 9.12-14). (De certa forma, além de uma comunhão de púlpito e altar, igrejas podem ter e têm uma “comunhão de prato de ofertas”.) A gratidão é pelo “dom indescritível” (2Co 9.15), que não é em si o dom de Jesus Cristo, mas a superabundante graça de Deus que foi concedida às igrejas. É o dom de compartilhar. Mas ele subentende o dom da salvação.

Vilson Scholz

Professor de Teologia no Seminário Concórdia vscholz@uol.com.br

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