Outro
dia voltei a folhear um livro do pensador cristão C. S. Lewis, e levei um
susto. O livro é bem conhecido. Chama-se Razão do Cristianismo. E o que
eu encontrei foi um capítulo intitulado “O bom contágio”.
Antes
de falar sobre o assunto, permitam-me dizer algumas coisas a respeito de C. S.
Lewis. O nome completo dele era Clive Staples Lewis. É mais conhecido como o
autor das Crônicas de Nárnia, que acabaram virando filme. Mais de um,
por sinal. Esses textos são alegorias cristãs, ou seja, mensagens cristãs em
código. Por exemplo, o Leão, chamado Aslam (em inglês, isso soa parecido com
“as Lamb”, ou seja, “como Cordeiro”), representa Cristo. Pois bem, C. S. Lewis,
que era britânico, faleceu em 1963. Mas ele é lido e estudado ainda hoje. Além
de ser um autor instigante, tem o atrativo especial de, como professor famoso,
ter sido ateu durante boa parte de sua vida. Mais tarde, convertido à fé cristã,
tornou-se um defensor do cristianismo. O simples título do livro que foi mencionado,
“Razão do Cristianismo”, já mostra isso. A parte final do livro é uma discussão
sobre a Trindade. Na verdade, o livro é uma coleção de mensagens transmitidas
pelo rádio, na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial.
Quem folhear esse livro
de C. S. Lewis pode levar um susto, ao encontrar esse capítulo intitulado “O
bom contágio”. Bom contágio? Será que Lewis viveu num tempo em que o mundo era
assolado por uma doença contagiosa? Não parece ter sido o caso, mas até poderia
ter sido. Ler esse texto hoje não deixa de ser uma provocação. Como pode alguém
falar sobre um bom contágio, uma boa infecção? Todos querem ficar longe de
qualquer contágio, evitar todo tipo de infecção. Saímos para caminhar numa
avenida quase deserta e, se vem alguém da direção oposta, cruzamos numa
distância segura de três metros. Ninguém quer contágio, ninguém quer ser
infectado.
E aí nos vem C. S.
Lewis falar sobre um bom contágio. Que seria isso? Será que ele falava sobre
alguma vacina, que é um tipo de contágio leve – e bom. (Como se expressou
alguém de minha família, diante da reação adversa que uma vacina provocou em outro
familiar: “A vacina é o coronavírus bonzinho”.) O tema de Lewis é teológico. Ao
lermos o que ele escreveu, veremos que ele está tratando da Trindade. A Trindade
é Deus em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Ao falar sobre essas três
pessoas, Lewis escreveu o seguinte:
“Essa é talvez a mais
importante diferença entre o cristianismo e todas as outras religiões: que no
cristianismo Deus não é algo estático – nem mesmo uma pessoa estática – mas uma
atividade dinâmica, pulsante, uma vida, quase uma espécie de drama. Se vocês
não acharem que isso beira à irreverência, eu quase diria que é uma espécie de
dança”.
Soa estranho este texto
de Lewis. Ele está falando sobre o relacionamento dinâmico que existe entre
Pai, Filho e Espírito Santo. Deus não é estático. Nem poderia ser.
Mas o que isso tem a
ver com um bom contágio ou uma boa infecção? Qual a importância disso? O
próprio C. S. Lewis faz essa pergunta. E ele responde que isso importa mais do
que qualquer outra coisa neste mundo. Cada um de nós deve entrar nesse padrão,
tomar parte nessa “dança” das pessoas da Santíssima Trindade. Não há outro
caminho que conduza à felicidade para a qual fomos feitos. Cito Lewis
textualmente:
“Como vocês sabem, coisas boas
e também coisas ruins a gente pega por uma espécie de contágio ou infecção. Se
você quer se aquecer, precisa ficar perto do fogo. Se você quer se molhar, tem
de entrar na água. Se você quer alegria, poder, paz, vida eterna, você precisa chegar
perto da coisa que tem isso, até mesmo entrar dentro dela. Alegria, poder, paz,
vida eterna não são uma espécie de prêmio que Deus simplesmente poderia
distribuir a todos, caso ele quisesse. Elas são uma grande fonte de energia e
beleza que borbulha no próprio centro da realidade (que é Deus). Se você está
perto dessa fonte, o chuvisco vai deixar você molhado; se você fica longe, não
ficará molhado. Se uma pessoa se uniu a Deus, como poderia não viver para
sempre? Se uma pessoa está separada de Deus, que pode acontecer com ela que não
seja murchar e morrer?”
Mas como uma pessoa
pode se unir a Deus? Como é possível ser inserido nessa vida das três pessoas
da Trindade? Tenho certeza de que você já tem a resposta, e ela tem a ver com pessoa
do Filho de Deus, Jesus Cristo. A resposta de Lewis é a seguinte:
“Tudo que o cristianismo tem a
oferecer é isto: que, se deixarmos Deus agir, podemos vir a participar da vida
de Cristo... O Filho de Deus veio a este mundo e se fez homem para espalhar
para os outros seres humanos o tipo de vida que ele tem – por meio daquilo que
eu chamo de ‘bom contágio’.”
C. S. Lewis não
desenvolve isso com a citação de textos, mas o que ele diz brota do ensino bíblico.
Que textos bíblicos poderiam ser citados? Lembro inicialmente das palavras de
Jesus em João 14.20: “Naquele dia vocês saberão que eu estou em meu Pai, que vocês
estão em mim e que eu estou em vocês”. Nós estamos em Cristo e
Cristo está em nós. Poderia haver contágio maior do que este?
Acrescento palavras da
oração de Jesus em João 17. Ao orar por aqueles que ainda viriam a crer nele,
Jesus pede “que todos sejam um”. Depois acrescenta: “E como
tu, ó Pai, estás em mim e eu em ti [este é o relacionamento entre as pessoas da
Trindade], também eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me
enviaste. Eu lhes transmiti
a glória que me deste, para que sejam um, como nós o somos; eu neles [este é o
bom contágio!], e tu em mim [o relacionamento entre as pessoas da Trindade], a
fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me
enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (João 17.21-23; comentários
entre colchetes).
Volto
ao texto de C. S. Lewis, que escreve:
“Cristo transmite a nova vida, não por hereditariedade, mas pelo ‘bom contágio’ ou pela ‘boa infecção’. Todos os que recebem a nova vida, recebem-na
por um contato pessoal com ele, Cristo. As pessoas se tornam ‘novas’ por estarem nele, isto é, em Cristo”.
Neste ponto, seria possível citar dezenas de textos do Novo Testamento em que aparece a expressão “em
Cristo”. Limito-me a 2Coríntios 5.17: “Se alguém está em
Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”. Mais importante é a pergunta: Como passamos a estar em Cristo (e ele em nós)? O apóstolo Paulo responde, em Romanos 6. Depois de dizer que fomos sepultados com Cristo
na morte pelo batismo, ele explica que “se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição” (Rm 6.5). O importante aqui é a expressão “fomos unidos com ele”, num contexto em que o assunto
é o batismo.
Recebemos o “bom contágio” no batismo. Como lembra Lewis, não recebemos a nova vida por hereditariedade.
É preciso ser contagiado por Cristo, ser nova criatura a partir do batismo. E voltamos ao batismo a cada novo dia, em contrição e fé. Continuamos recebendo o “bom contágio” de Cristo pela Palavra de Deus que habita em nós e pelo corpo e sangue de
Cristo que recebemos oralmente (em nossa boca), na santa ceia.
Num tempo em que não
queremos ser infectados (mas buscamos o bom contágio da vacina), precisamos do “bom
contágio” ou da “boa infecção” que recebemos de Jesus Cristo. Dele não podemos
ficar a uma distância (insegura) de dois ou três metros. “Cheguem perto dele, a
pedra viva”, diz o apóstolo Pedro (1Pe 2.4). “Vamos nos aproximar com confiança”,
acrescenta o autor aos Hebreus (Hb 4.16). PRECISAMOS FICAR COLADOS EM CRISTO E
ELE EM NÓS. ESTE É O BOM CONTÁGIO.