O bom contágio


Ler em formato flip
13/08/2021 #Editora Concórdia #Estudos #Exclusivo Assinantes

É preciso ser contagiado por Cristo.

O bom contágio

Outro dia voltei a folhear um livro do pensador cristão C. S. Lewis, e levei um susto. O livro é bem conhecido. Chama-se Razão do Cristianismo. E o que eu encontrei foi um capítulo intitulado “O bom contágio”.

Antes de falar sobre o assunto, permitam-me dizer algumas coisas a respeito de C. S. Lewis. O nome completo dele era Clive Staples Lewis. É mais conhecido como o autor das Crônicas de Nárnia, que acabaram virando filme. Mais de um, por sinal. Esses textos são alegorias cristãs, ou seja, mensagens cristãs em código. Por exemplo, o Leão, chamado Aslam (em inglês, isso soa parecido com “as Lamb”, ou seja, “como Cordeiro”), representa Cristo. Pois bem, C. S. Lewis, que era britânico, faleceu em 1963. Mas ele é lido e estudado ainda hoje. Além de ser um autor instigante, tem o atrativo especial de, como professor famoso, ter sido ateu durante boa parte de sua vida. Mais tarde, convertido à fé cristã, tornou-se um defensor do cristianismo. O simples título do livro que foi mencionado, “Razão do Cristianismo”, já mostra isso. A parte final do livro é uma discussão sobre a Trindade. Na verdade, o livro é uma coleção de mensagens transmitidas pelo rádio, na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial.

 

Quem folhear esse livro de C. S. Lewis pode levar um susto, ao encontrar esse capítulo intitulado “O bom contágio”. Bom contágio? Será que Lewis viveu num tempo em que o mundo era assolado por uma doença contagiosa? Não parece ter sido o caso, mas até poderia ter sido. Ler esse texto hoje não deixa de ser uma provocação. Como pode alguém falar sobre um bom contágio, uma boa infecção? Todos querem ficar longe de qualquer contágio, evitar todo tipo de infecção. Saímos para caminhar numa avenida quase deserta e, se vem alguém da direção oposta, cruzamos numa distância segura de três metros. Ninguém quer contágio, ninguém quer ser infectado.

E aí nos vem C. S. Lewis falar sobre um bom contágio. Que seria isso? Será que ele falava sobre alguma vacina, que é um tipo de contágio leve – e bom. (Como se expressou alguém de minha família, diante da reação adversa que uma vacina provocou em outro familiar: “A vacina é o coronavírus bonzinho”.) O tema de Lewis é teológico. Ao lermos o que ele escreveu, veremos que ele está tratando da Trindade. A Trindade é Deus em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Ao falar sobre essas três pessoas, Lewis escreveu o seguinte:

 

“Essa é talvez a mais importante diferença entre o cristianismo e todas as outras religiões: que no cristianismo Deus não é algo estático – nem mesmo uma pessoa estática – mas uma atividade dinâmica, pulsante, uma vida, quase uma espécie de drama. Se vocês não acharem que isso beira à irreverência, eu quase diria que é uma espécie de dança”.

 

Soa estranho este texto de Lewis. Ele está falando sobre o relacionamento dinâmico que existe entre Pai, Filho e Espírito Santo. Deus não é estático. Nem poderia ser.

Mas o que isso tem a ver com um bom contágio ou uma boa infecção? Qual a importância disso? O próprio C. S. Lewis faz essa pergunta. E ele responde que isso importa mais do que qualquer outra coisa neste mundo. Cada um de nós deve entrar nesse padrão, tomar parte nessa “dança” das pessoas da Santíssima Trindade. Não há outro caminho que conduza à felicidade para a qual fomos feitos. Cito Lewis textualmente:

 

“Como vocês sabem, coisas boas e também coisas ruins a gente pega por uma espécie de contágio ou infecção. Se você quer se aquecer, precisa ficar perto do fogo. Se você quer se molhar, tem de entrar na água. Se você quer alegria, poder, paz, vida eterna, você precisa chegar perto da coisa que tem isso, até mesmo entrar dentro dela. Alegria, poder, paz, vida eterna não são uma espécie de prêmio que Deus simplesmente poderia distribuir a todos, caso ele quisesse. Elas são uma grande fonte de energia e beleza que borbulha no próprio centro da realidade (que é Deus). Se você está perto dessa fonte, o chuvisco vai deixar você molhado; se você fica longe, não ficará molhado. Se uma pessoa se uniu a Deus, como poderia não viver para sempre? Se uma pessoa está separada de Deus, que pode acontecer com ela que não seja murchar e morrer?”

 

Mas como uma pessoa pode se unir a Deus? Como é possível ser inserido nessa vida das três pessoas da Trindade? Tenho certeza de que você já tem a resposta, e ela tem a ver com pessoa do Filho de Deus, Jesus Cristo.  A resposta de Lewis é a seguinte:

 

“Tudo que o cristianismo tem a oferecer é isto: que, se deixarmos Deus agir, podemos vir a participar da vida de Cristo... O Filho de Deus veio a este mundo e se fez homem para espalhar para os outros seres humanos o tipo de vida que ele tem – por meio daquilo que eu chamo de ‘bom contágio’.”

 

C. S. Lewis não desenvolve isso com a citação de textos, mas o que ele diz brota do ensino bíblico. Que textos bíblicos poderiam ser citados? Lembro inicialmente das palavras de Jesus em João 14.20: “Naquele dia vocês saberão que eu estou em meu Pai, que vocês estão em mim e que eu estou em vocês”. Nós estamos em Cristo e Cristo está em nós. Poderia haver contágio maior do que este?

Acrescento palavras da oração de Jesus em João 17. Ao orar por aqueles que ainda viriam a crer nele, Jesus pede “que todos sejam um”. Depois acrescenta: “E como tu, ó Pai, estás em mim e eu em ti [este é o relacionamento entre as pessoas da Trindade], também eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes transmiti a glória que me deste, para que sejam um, como nós o somos; eu neles [este é o bom contágio!], e tu em mim [o relacionamento entre as pessoas da Trindade], a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (João 17.21-23; comentários entre colchetes).

Volto ao texto de C. S. Lewis, que escreve:

 

 “Cristo transmite a nova vida, não por hereditariedade, mas pelo ‘bom contágio’ ou pela ‘boa infecção’. Todos os que recebem a nova vida, recebem-na por um contato pessoal com ele, Cristo. As pessoas se tornam ‘novas’ por estarem nele, isto é, em Cristo”.

 

            Neste ponto, seria possível citar dezenas de textos do Novo Testamento em que aparece a expressão “em Cristo”. Limito-me a 2Coríntios 5.17: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”. Mais importante é a pergunta: Como passamos a estar em Cristo (e ele em nós)? O apóstolo Paulo responde, em Romanos 6. Depois de dizer que fomos sepultados com Cristo na morte pelo batismo, ele explica que “se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição” (Rm 6.5). O importante aqui é a expressão “fomos unidos com ele”, num contexto em que o assunto é o batismo.  

            Recebemos o “bom contágio” no batismo. Como lembra Lewis, não recebemos a nova vida por hereditariedade. É preciso ser contagiado por Cristo, ser nova criatura a partir do batismo. E voltamos ao batismo a cada novo dia, em contrição e fé. Continuamos recebendo o “bom contágio” de Cristo pela Palavra de Deus que habita em nós e pelo corpo e sangue de Cristo que recebemos oralmente (em nossa boca), na santa ceia.

Num tempo em que não queremos ser infectados (mas buscamos o bom contágio da vacina), precisamos do “bom contágio” ou da “boa infecção” que recebemos de Jesus Cristo. Dele não podemos ficar a uma distância (insegura) de dois ou três metros. “Cheguem perto dele, a pedra viva”, diz o apóstolo Pedro (1Pe 2.4). “Vamos nos aproximar com confiança”, acrescenta o autor aos Hebreus (Hb 4.16). PRECISAMOS FICAR COLADOS EM CRISTO E ELE EM NÓS. ESTE É O BOM CONTÁGIO.

Assine o mensageiro luterano e fique por dentro dessa e outras notícias

Já é assinante?

Não sou assinante

Vilson Scholz

Professor de Teologia no Seminário Concórdia vscholz@uol.com.br

Editora Concórdia Leia mais


Notícias Leia mais


Assine o Mensageiro Luterano e
tenha acesso online ou receba a
nossa revista impressa

Ver planos