Crer é uma boa obra por ser aquilo que, acima de tudo, Deus espera que “façamos”.
Conversar
ou dialogar é algo que fazemos com frequência, mas nem sempre o processo é tão
simples e tranquilo quanto pode parecer. Ou você não conhece pessoas que
monopolizam a conversa? Não dão espaço para os outros, nem mesmo para fazer
perguntas! Sim, conversar ou dialogar também é uma arte, uma habilidade. E
existem pessoas que estudam nosso jeito de conversar com os outros. Nesse estudo,
descobriu-se, por exemplo, que, numa boa conversa, é acionado o princípio da cooperação. Significa que,
a menos que seja uma conversa de doentes mentais ou de bêbados, as pessoas respondem
uma pergunta que é feita e não mudam de assunto sem mais nem menos. Em outras palavras,
as pessoas cooperam, colaboram. Dou um exemplo. Se alguém começa uma conversa,
dizendo que faz calor, é ofensivo ignorar a observação e dizer imediatamente
que fulano baixou hospital. Dou mais um exemplo. Duas amigas seguem pela rua e
uma delas afirma estar com sede. A outra responde: “Veja, tem um mercado ali na
esquina”. Parece uma resposta desconectada, só que não. Fica subentendido o seguinte:
“Se o problema é sede, vamos entrar ali e comprar água”. O diálogo é coerente.
O princípio da cooperação foi mantido.
Por
que estas observações a respeito do jeito de conversar? Porque no evangelho de
João, no capítulo 6 (versículos 24-35), existe um diálogo entre Jesus e a
multidão (o povo da multiplicação do pão). São quatro perguntas e quatro respostas.
À primeira vista, nem sempre o princípio da cooperação foi respeitado. É o que
nos cabe investigar.
O
diálogo aconteceu um dia depois de Jesus ter alimentado uma grande multidão. No
entanto, a lição que Jesus queria transmitir não foi captada. Para Jesus e para
o evangelista João, aquele era um “sinal”, o sinal do pão. Um sinal não é um
fim em si mesmo, pois aponta para outra coisa. Placas de trânsito são assim. No
caso de João 6, o sinal dos pães foi entendido de forma errada. Aliás, nem
entendido foi. É o problema com gestos e ações. São “lidos” pelas pessoas, mas
nem todos fazem a mesma leitura. Tendem a ser ambíguos. Por isso, nessa
conversa com a multidão da Galileia, Jesus explica o sinal do pão.
É
uma conversa longa e ao mesmo tempo um tanto estranha. Jesus não faz nenhuma
pergunta; ele sempre responde. Ainda bem. É sempre melhor ouvir Jesus dando
respostas do que fazendo perguntas.
Primeiro
diálogo
Quando
as pessoas que tinham saído à procura de Jesus finalmente o encontraram na cidade
de Cafarnaum, perguntaram: “Mestre, quando o senhor chegou aqui?” Jesus respondeu: “Vocês estão me procurando não
porque viram sinais, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos”.A resposta de Jesus parece não ter nada a ver com
a pergunta. No entanto, Jesus percebeu que, no fundo, estavam fazendo uma
crítica: Você está fugindo. Nós queríamos mais pão, atravessamos o lago à sua
procura, e agora você está aqui. Quando foi que chegou aqui? Por isso, Jesus,
que conhece a todos e sabe o que é a natureza humana (Jo 2.24-25), revelou o
que estavam pensando e por que estavam pensando assim. Jesus respondeu: Vocês
estão me procurando não porque entenderam o que eu fiz, não porque querem saber
quem eu sou, mas porque mataram a fome e agora querem mais pão. E Jesus continuou:
“Trabalhem, não pela comida que se estraga, mas pela que
permanece para a vida eterna, a qual o Filho do Homem dará a vocês; porque
Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo”.Aqui
Jesus está dizendo: Se vocês estão interessados em conseguir comida, então
falemos da comida que não azeda nem fica mofada. Trabalhem pela comida que é
dada pelo Filho do Homem, o Cristo. Trabalhem pela comida que permanece para a
vida eterna, mas saibam que ela é dom de Deus.
Segundo
diálogo
Parece que as pessoas não prestaram
atenção em tudo que Jesus falou. Fixaram-se nas primeiras palavras: “Trabalhem pela
comida”. Nem ouviram Jesus dizer que essa comida é dada. Por isso, na segunda
etapa do diálogo, as pessoas perguntaram: “Que
faremos para realizar as obras de Deus?” Parece uma pergunta do tipo “nada a ver”,
mas a referência a trabalho levou à pergunta sobre obras. Traduzida
de forma diferente, a pergunta era esta: “O que é que Deus quer que a gente
faça?” Pergunta importante. Que bom que
perguntaram. Porque temos muito a aprender com a resposta. Jesus respondeu: “A obra de Deus é esta: que vocês creiam
naquele que ele enviou”. Em outras palavras: Vocês
querem fazer o que agrada a Deus? Creiam naquele que Deus enviou. Crer no Cristo,
que foi enviado por Deus, é o que Deus espera das pessoas.
Mas será que crer em Jesus é uma obra? Na
verdade, Jesus mantém a palavra obra, mas atribui-lhe um novo sentido. E não
deixa de ser verdade que a fé, mesmo sendo dom de Deus, é minha fé. Eu
creio. Lutero, no Sermão Sobre as Boas Obras, afirma que “a primeira,
suprema e mais nobre boa obra é a fé em Cristo”. Muita gente acha isso estranho,
embora Lutero esteja apenas citando as palavras de Jesus. Crer é uma boa obra por
ser aquilo que, acima de tudo, Deus espera que “façamos”. Trata-se do Primeiro
Mandamento, que Lutero explica em termos de “Devemos temer e amar a Deus e
confiar nele acima de todas as coisas”. Crer em Jesus, confiar nele, é o que
mais agrada a Deus. Tudo flui e deriva do Primeiro Mandamento.
Cabe acrescentar que Jesus não está dizendo que crer é
algo que podemos fazer por nós mesmos. Mais adiante, em João 6.44, ele diz:
“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer”. Lutero nos
ensina a dizer: “Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus
Cristo... Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho...” Só cremos, porque
Deus criou e mantém a fé em nós, por meio do evangelho. É assim que o Pai nos
leva ao Filho.
Terceiro diálogo
Voltemos ao texto de João 6, ao
diálogo entre Jesus e o povo da Galileia. Num terceiro momento, eles disseram: “Que sinal o senhor fará para que vejamos e
creiamos no senhor? O que o senhor pode fazer? Nossos pais comeram o
maná no deserto, como está escrito: ‘Deu-lhes a comer pão do céu’”. Esta
fala está bem conectada com as palavras de Jesus sobre crer nele. As pessoas estão
dizendo: Se a nossa obra é crer em você (em Jesus), precisamos antes
saber que obra você pode fazer. E temos uma boa sugestão: Queremos uma volta
aos tempos do maná. Aquele, sim, era ‘pão do céu’. Afinal, a Bíblia diz que
nossos antepassados receberam pão do céu (Sl 78.24).
Jesus
respondeu: “Em verdade, em verdade lhes digo que
não foi Moisés quem deu o pão do céu para vocês; quem lhes dá o verdadeiro pão
do céu é meu Pai. Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao
mundo”. Estas palavras de Jesus dão a entender que aquele povo queria um novo
Moisés. E Jesus corrige dois erros que estão embutidos nessa fala. Um erro era o
pensamento de que o maná era um milagre de Moisés. Jesus aponta para Deus. O
segundo erro estava relacionado com as palavras do salmo, que as pessoas
citaram. O salmo resume, em linguagem poética, o que aparece em Êxodo 16. Ao
citarem o salmo (“pão do céu”), as pessoas entenderam a poesia de forma
literal. Jesus corrige essa noção, dizendo que, mesmo vindo de cima, o maná não
vinha propriamente do céu. (Em Êxodo 16.4 diz: “Eis que farei chover do céu pão
para vocês”. Assim, no máximo, o maná vinha ‘das nuvens’, como se fosse chuva, mas
não propriamente da habitação de Deus.) O verdadeiro pão do céu é o pão de Deus
(Cristo), que desce do céu e dá vida ao mundo. Ao citar o mundo, Jesus amplia o
foco de sua missão. Não lhe cabia unicamente alimentar uma multidão de galileus
famintos.
Quarto diálogo
No quarto e último momento desse diálogo inicial entre o
povo e Jesus, na sinagoga de Cafarnaum, as pessoas pediram a Jesus: “Senhor,
dê-nos sempre desse pão” (v.34). Para qual pão estavam apontando, ao dizerem
“esse pão”? Será que entenderam de que pão Jesus falava? Fato é que eles, que
nos representam, pediram pão. Pediram o pão que é dado. Não há pedido mais
importante do que este.
Em resposta ao pedido, Jesus disse: “Eu sou o pão da
vida. Quem vem a mim jamais terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede”. A
fala de Jesus é mais longa, mas as palavras iniciais são impactantes. Trata-se
de um “eu sou”, a primeira de sete frases que começam com “eu sou”, no evangelho
de João (Jo 6.35; 8.12; 10.9; 10.11; 11.25; 14.8; 15.5). Sem comida e sem água não
existe vida. Jesus é o pão da vida, sem o qual estamos na morte. Ele é também
aquele que dá a água da vida (Jo 4.14), que é o Espírito Santo. E, neste
contexto, vir a Jesus (“quem vem a mim”) é uma maneira diferente de falar sobre
crer em Jesus. Quem crê em Jesus tem a água da vida (o Espírito Santo). Quem
tem o Filho (o pão) e o Espírito Santo (a água), esse tem também o Pai.
O que se aprende
Nós ouvimos a conversa, quatro momentos de diálogo entre
o povo e Jesus. Escutando a conversa de outros, aprendemos uma série de coisas.
Aprendemos como funciona uma conversa e, a bem da verdade, entramos na
conversa. Nós nos identificamos com aqueles que conversam. No caso de João 6, podemos
nos identificar com aquele povo que conversava com Jesus. Temos muito em comum
com eles. Cabe fazer também o pedido que fizeram: “Senhor, dê-nos sempre desse
pão!” Sem esquecer a resposta de Jesus: “Eu sou o pão da vida!”
Palavra final
Na
localidade de Tagba, junto ao lago da Galileia, em Israel, fica a Igreja da
Multiplicação dos Pães e Peixes. Nela, a grande atração é um mosaico (um
desenho feito com peças de pedra), no chão, diante do altar. Quem vê esse
mosaico do período bizantino (quarto século de nossa era), nota que, no cesto,
aparecem apenas quatro pães. Sabemos que, no milagre de Jesus, havia cinco
pães. Será que o artista não sabia disso? Sabia, sim. Acontece que o pão que
não aparece no cesto é o verdadeiro pão do céu, o Pão da Vida. É o pão que está
sobre o altar, sobre a mesa, na Santa Ceia.
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