O que é crer?


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20/10/2021 #Editora Concórdia #Artigos #Estudos #Exclusivo Assinantes

(uma antropologia da fé – parte 3)

O que é crer?

Nesta edição, apresentamos a terceira parte da conferência do filósofo alemão Josef Pieper (falecido em 1997), sobre o ato de crer, e seu alcance antropológico. Aqui se ressalta com profundidade ainda maior a necessidade de que o Deus da fé seja um Ser Pessoal, um Alguém, capaz de falar, e não um inócuo Ersatz (substituto), abstrato ou difuso. Relembramos ao leitor que o propósito dessa conferência é apresentar apenas uma antropologia da fé (não só a religiosa), que tem o potencial de enriquecer imensamente sobretudo o campo educacional/escolar.

  

“Não é por acaso que quando sem acréscimos ou complementos se fala da fé, de um ‘homem que crê’, ou quando se diz ‘Fulano não crê’, pensa-se sempre no significado religioso do conceito ‘crer’. No entanto, não é como se tivéssemos que dar um passo a mais no caminho já percorrido com o que até agora dissemos sobre o ‘crer’ para com isso atingir o conceito de fé religiosa.

É certo que continua vigente tudo que dissemos para a delimitação dos elementos conceituais. Crer, quer se trate de fé religiosa ou não, significa: aceitar algo inabarcável (inatingível) como verdadeiro e real pelo testemunho de outro, de alguém que tem conhecimento próprio do objeto. Permanece também em vigor que ‘crer’ e ‘dar crédito’ são, para as relações humanas, algo necessário e pleno de sentido, e, além disso, em geral, evidentes.

Mas com isso não se mostrou ainda que a fé religiosa seja igualmente necessária e plena de sentido. E no que diz respeito à evidência vale antes o contrário.

Porque a primeira reação a que se inclina o homem ante o salto que na fé religiosa lhe é exigido é precisamente a de não o dar. Pois, de fato, o que se requer não é um passo a mais no caminho, e, sim, precisamente um salto. Pode-se estar de pleno acordo com o que dissemos até aqui sobre o crer e, no entanto, deparar-se com um obstáculo insuperável tão logo se requeira o reconhecimento da fé religiosa como necessária e plena de sentido, ou, que se realize esse crer.

Por que – é o que se ouve dizer – por que não basta para o homem o que ele naturalmente pode saber? Por que depender de notícias que ele mesmo não só não poderá jamais verificar como, sobretudo, tampouco demonstrar que são verdadeiras? Por exemplo, que Deus se fez homem para nos possibilitar uma participação na vida divina: eis aí algo que pela própria natureza das coisas, não se pode provar. Homem algum, por mais genial ou santo que seja, pode jamais fazer um confronto crítico desta mensagem com a realidade de que se fala. Mas isto é só um aspecto da questão.

O outro aspecto apresenta uma exigência quase ainda mais forte. Em todo crer, como dissemos, o decisivo é o ‘crer em alguém’, mais decisivo do que ‘crer em algo’, já que eu geralmente só aceito o ‘algo’ por ter aceitado o testemunho de ‘alguém’. Ora, mas esse ‘alguém’, cujo testemunho o que crê em sentido religioso aceita como verdadeiro e real, é o próprio Deus. Isto significa que neste caso somos enviados a uma testemunha com quem, além do mais, não podemos absolutamente encontrar-nos a modo de interlocutor humano, e que, por outro lado, exige de nós um assentimento total e tão incondicionado que não nos sentimos de modo algum prontos a dar.

É claro que conceber um tal testemunho dado pelo próprio Deus, ou dito de outro modo, o próprio pensar numa comunicação reveladora divina é inviável a não ser que concebamos Deus como um alguém pessoal, capaz de falar. Porque o ‘Absoluto’ não é capaz de falar. ‘A Transcendência’ (Jaspers) igualmente não pode falar. Também não fala ‘O Fundamento do Mundo’ da concepção panteísta. Quer dizer: fé na revelação só é viável se previamente se concebe Deus como um Alguém-pessoa, isto é, capaz de falar.” Ora, o falar de Deus nos é dado pelas Escrituras e a fé é dom do seu Espirito.

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Enio Starosky

Teólogo e educador | eniostarosky@gmail.com

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