Convido-o a abandonar a ilusória verdade de que não há valor no ócio e a desconfiar do absolutismo do trabalho.
Todos os anos, nos meses de janeiro ou de
fevereiro, a maioria dos brasileiros tira alguns dias ou um tempo de férias. É um
período especial para descansar, para lazer, para estar mais perto da família.
Um tempo de ócio, de não fazer nada.
Embora aqui e ali, nos últimos anos, tenhamos
visto referências positivas às férias, a esse tempo de “não fazer nada”, ainda
é quase impossível imaginar – devido à nossa mentalidade profundamente “trabalhista”
– um elogio ao ócio (skholé) e uma séria reprimenda ao totalitarismo do
mundo do trabalho que, negativa e compulsivamente, se ocupa do negócio (neg-otium).
No entanto, neste primeiro contato com o leitor
do Mensageiro Luterano em 2022, quero convidá-lo a refletir sobre o ócio,
uma vez que ele remete a questões educacionais fundamentais. Convido-o a
abandonar a ilusória verdade de que não há valor no ócio e a desconfiar do
absolutismo do trabalho. Sobretudo porque em nosso país é corrente o pensamento
de que o ano “começa só em março”, “depois do carnaval”.
As sugestivas implicações para a educação já
provêm até mesmo da etimologia: estudar, estudo, é (real e) etimologicamente (studio)
zelo, aplicação, dedicação de quem ama o que faz.
E “escola” remete a skholé(otium, ócio).Skholé, para Aristóteles – e para toda a tradição grega – nada tem
que ver com o ócio vazio, a ociosidade “mãe de todos os vícios”, mas trata-se,
antes, de algo de fundamentalmente positivo e essencial: a atitude de serena festa
da alma que se deleita na contemplação da verdade, despertada pelo olhar de
admiração. Assim, a skholé não se
reduz a “tempo livre”; é, como dizíamos, uma disponibilidade do espírito para
admirar e contemplar a maravilha da criação. Nesse sentido, a opressão do
excesso de trabalho (e trabalheiras da vida) podem dificultar o cultivo dessa
atitude (fomentada pelo terceiro mandamento da Lei de Deus).
Skholé é condição sine qua non para o filosofar, e a
admiração (de acordo com a tradição grega e do pensamento cristão) é mesmo o
princípio não só do filosofar, mas também da poesia (do “poetar”) e da
contemplação religiosa.
Cai muito bem aqui aquele verso genial de
Adélia Prado:
“De vez em quando Deus
me tira a poesia.
Olho pedra e vejo pedra
mesmo.”
Studio, estudar, é o
entusiasmo com que o ator faz a interpretação perfeita de seu personagem; é o
carinho com que um Rogério Ceni, por exemplo, em dia inspirado, acariciava a
bola e tomava distância para cobrar a falta que já sabia que seria um golaço. E
se skholé é festa da alma, então nosso
estudo e nossas escolas nem sempre correspondem ao que deveriam ser. Na maioria
das vezes o estudo é visto como algo árduo, e há muitas escolas que lembram
presídios – com suas grades e alunos perguntando que horas o professor vai
“soltar” a classe. A falta de studio
e da skholé está por trás de
problemas de indisciplina, vandalismo, bullying etc. Infelizmente as escolas
que melhor realizam o ideal clássico de skholé
e studio são só as escolas de samba!
Nelas, milhares de integrantes participam com amor e espontaneidade e não medem
sacrifícios em seu alegre devotamento à escola.
A educação cristã (e não só ela...) pode ser
imensamente mais rica se estiver assentada na skholé e no mirandum
(aquilo que suscita a admiração). Para isso não é necessário inventar nada: basta
recuperar seu sentido originário, ou, parafraseando a célebre sentença de
Píndaro: “Escola, torna-te o que és”.
Mas isso já é assunto para nosso próximo
artigo.
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