Elogio ao ócio, o pensamento e a escola


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28/04/2022 #Artigos #Exclusivo Assinantes #Reflexão

O que aconteceu com a escola – e com o estudo –, hoje mais associados a obrigações, deveres e trabalho árduo do que a “festa da alma”?

Elogio ao ócio, o pensamento e a escola

 

No artigo anterior (Mensageiro Luterano, março 2022, p.13), começamos a elogiar o ócio, no sentido de skholé, a serena e festiva atitude da alma, disponível para o mirandum (aquilo que suscita a admiração). Essa atitude do espírito – que, naturalmente, pressupõe que não nos deixemos sucumbir ao workaholism (compulsão pelo trabalho) e ao embotamento que as diversas trabalheiras do dia a dia nos querem impor – é o sentido do Terceiro Mandamento, o do repouso. Da skholé, também fala o salmo 46.10: “Aquietai-vos (skholasate) e sabei que eu sou Deus”.

Não por acaso, o próprio nome “escola” remete imediatamente a skholé, lugar por excelência dessa festa de admiração e de “estudo” (esta palavra, studio, como vimos, significa originariamente algo que se faz com muito gosto, amor e entusiasmo...).  

Mas, então, o que aconteceu com a escola – e com o estudo –, hoje mais associados a obrigações, deveres e trabalho árduo do que a “festa da alma”? O que é que perdemos no meio do caminho?

Jean Lauand, professor titular da Faculdade de Educação da USP e professor colaborador do Colégio Luterano São Paulo, insiste na urgente necessidade de resgate de uma Pedagogia da Admiração, proposta por Josef Pieper, um dos mais importantes filósofos alemães do século 20.

Se os alunos forem incapazes de ler o mundo, de vibrar com o conhecimento, com o olhar da admiração, irão se sentir cada vez mais entediados e deslocados na escola. O ensino de literatura, de história, de línguas, de matemática e ciências, etc., que deve ser a fantástica e prazerosa descoberta da grandeza do humano, corre o risco de ficar reduzido a uma burocrática transmissão de informações, sem muito significado. E fica esquecida a admiração.

Não se trata de uma mudança no “conteúdo” do que se ensina, mas do modo como se aborda o mesmo conteúdo.

Tomo um exemplo do próprio dr. Lauand, a propósito do ensino de língua francesa. O francês dispõe de duas palavras para esperança: espoir e espérance. A primeira tende ao plural, dirige-se às mil esperanças “espoirs” da vida – que a inflação esteja contida, que eu permaneça no meu emprego, que meu time se saia bem no campeonato, que os exames de saúde não tragam nenhum resultado que cause apreensão, que os rumores de conflitos e guerras ao redor do mundo não se confirmem etc. Já espérance se emprega quase que exclusivamente no singular. Uma educação, digamos, somente preocupada com pontuação no Enem, pararia por aí: é um fato gramatical da língua e isso basta. Mas para a Pedagogia da Admiração e da skholé, pelo contrário, esse “fato gramatical” é ponto de partida para uma consideração filosófica (afinal, a linguagem é um laboratório para o filosofar) de extrema importância, pois se refere a nada menos que à virtude teologal da Esperança. Esta dirige-se à única, singular e decisiva esperança, a de "acabar bem", “dar-se bem” não deste ou daquele ponto de vista (os famosos S: saúde, segurança, saldo, sucesso etc.), mas “dar-se bem” simpliciter, pura e simplesmente, “enquanto ser humano”, ou para o cristão: a salvação.

Há outro genial e incrível – prossegue Lauand – fato gramatical no francês: o verbo espérer requer, “por curiosa exceção", em sua forma afirmativa, o modo indicativo e não o subjuntivo. Assim, não se diz: "J'espère que tout finisse bien" (espero que tudo acabe bem), mas "J'espère que tout finira bien" (espero que tudo acaba bem). Novamente, a língua francesa traz em seu bojo uma profunda consideração teológica: que a verdadeira, radical e definitiva Esperança (a que nos é dada por Deus em Cristo) traz consigo a certeza, incompatível com o subjuntivo.

Continuaremos no próximo artigo.

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Enio Starosky

Teólogo e educador | eniostarosky@gmail.com

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