“Lembrem-se dos seus líderes, os quais pregaram a palavra de Deus a vocês [...] honrem sempre os que são como ele” (Hb 13.7; Fp 2.29)
Fomos convidados a escrever um pouco da
história do nosso pai... e quando pensamos em histórias, pensamos nele sentado
em algum banco com os netos aos seus pés, lendo historinhas dos irmãos Grimm e
histórias bíblicas. Ele foi muito presente na nossa vida de filhos e dos seus netos. Sempre inventando
brinquedos e sapequices que devem estar gravados na memória deles e na sua,
como as lembranças vivas que ele tem de cada lugar por onde passou e trabalhou.
Ele lembra de nomes e sobrenomes de membros, de locais e datas com precisão impressionante
para uma pessoa com 89 anos. É um privilégio e uma bênção divina poder gozar de
plena saúde mental e física nessa idade.
Nascido
em 10 de abril de 1933, em sua casa na área rural do município de Arroio do
Meio, RS, era o segundo filho de Alfredo e Ema Dauernheimer. Teve uma infância
muito pobre, porém, com o necessário para ser um menino saudável, pois sua avó
gostava muito de cozinhar e lhe oferecer coisas boas, as quais ele sempre
aceitava de bom grado. Sua família costumava ir ao
culto dominical na igreja na cidade (Congregação São Paulo de Arroio do Meio).
Como tinham apenas um par de sapatos, faziam descalços o trecho de cerca de cinco
quilômetros e, ao chegar em um arroio, lavavam os pés e calçavam os sapatos
para chegar à igreja. Antes de completar 11 anos, perdeu seu pai em
decorrência de um infarto. Com isso, a vida, que já era difícil, ficou ainda
pior.
Para
continuar os estudos na escola primária, Eugenio foi morar e trabalhar na casa da
família Krey, onde tinha muitas tarefas diárias, como: alimentar animais, tirar
e distribuir leite na cidade, lavar as louças após as refeições, dar banho nas
crianças da casa e, durante a noite, cuidava de uma senhora idosa. Foi ela quem
lhe disse que deveria estudar para ser pastor (um sonho que seu pai já
alimentava, mas que havia sido praticamente sepultado com ele). Ela foi quem
conversou com nossa avó e a convenceu de que esse seria um bom destino para o
menino bem-educado e trabalhador. Houve, tanto na família quanto na comunidade,
quem dissesse que esse sonho era impossível, pois o menino era gago e mal
falava português.
Assim,
em 1948, aos 15 anos incompletos, partiu o menino Eugenio para Porto Alegre,
com muito pouco dinheiro, poucas roupas, uma coberta, além do seu português
carregado de sotaque alemão. Foram anos difíceis, de muita luta pessoal para
vencer a gagueira, o que ele fazia praticando exercícios de leitura em voz alta
com a ajuda de alguns preciosos colegas. Mas foram tempos de amizades, experiências
e também de trabalho para conseguir ajudar a manter-se, tendo em vista que a
família pouco podia ajudar. Além de estudar, ajudava na
cozinha, jardinava os pátios e hortas dos professores, limpava e engraxava
sapatos em troca de algum dinheirinho que economizava para comprar os poucos
livros que pôde adquirir durante a vida de estudante. Isso, porém, não impediu
que ele lesse muito na biblioteca do Seminário e se aprofundasse no
conhecimento e fluência da língua inglesa. Para ter algum valor para dar como
oferta nos cultos, vendia sua sobremesa aos colegas. Foi muito ativo nas
atividades na congregação Concórdia durante esse período de seminarista, quando
chegou a ser presidente da Liga Juvenil num tempo em que cerca de 60 jovens
frequentavam as reuniões. Tudo isso foi muito útil como aprendizado de
liderança e desinibição.
O
estágio foi no ano de 1956, na região de Pato Branco, onde, na época, por ser
fronteira agrícola, a população andava armada pelas ruas, e as dificuldades
eram muitas. Após fazer um rodízio por localidades diversas da região, foi
hospedado no Hotel Iguaçu, onde dormia em uma cama de campanha, utilizava
banheiro coletivo e tinha muita pouca privacidade. No início eram apenas cinco
famílias luteranas, e o atendimento era feito em casa de família, sendo muitos
cultos oficiados no idioma alemão. As viagens eram em ônibus, caronas de
caminhão e muitas, muitas horas a pé ou a cavalo, carregando mala básica com
roupas e talar, além do material de santa ceia. Ao final de um ano de trabalho,
a perspectiva de deixar as pessoas conquistadas para Cristo pelo evangelho, sem
atendimento (não havia perspectiva de novo estagiário ou pastor para o
atendimento), fez com que resolvesse ficar mais um período ali trabalhando,
apesar da quase falência financeira, tendo em vista que não recebia salário,
apenas o pouco que era ofertado nos cultos. Felizmente, em fevereiro do ano
seguinte, teve a felicidade de chegar ao Hotel e ter lá aguardando por ele um
novo estagiário (Ari Pfluck). Foi assim que pôde comprar, com o pouco dinheiro
que restara, a passagem de ônibus e regressar a Porto Alegre. Desse período de
Estágio são muitas as histórias que estão gravadas na lembrança e que
frequentemente surgem em nossas conversas com familiares e amigos.
Formou-se
em dezembro de 1957. Não tinha condições de adquirir um terno novo. Foi
presenteado então com algumas roupas e, dentre elas, um terno com alguns
problemas de costura que ele resolveu com habilidade. Da turma de 50 alunos que
entraram com ele, apenas cinco formaram-se juntos: Harri E. Hoerlle, Oscar
Kanitz, Paulo M. Gueths, Martim Stern. No dia 1º de dezembro de 1957, 10 jovens
pastores receberam seu diploma e foram designados ao seu local de trabalho.
Nosso pai recebeu três chamados, porém a Comissão Missionária indicou que ele
fosse para Linha XV de Novembro. A Congregação era muito grande e organizada.
Os membros eram exigentes e conhecedores de doutrina, o que exigia dele muita
dedicação ao trabalho e cuidado na elaboração de mensagens e estudos. Foram
quatro anos de muito aprendizado e preparo para os novos desafios que viriam.
Foi
nesse período, na região de Santa Rosa, que ele conheceu nossa mãe, Edeltraud
Hegele. Isso foi em agosto de 1961. E sem um período de namoro, ele visitou os
pais dela num final de domingo de agosto e logo marcaram a data de noivado. No
dia marcado, além dos familiares, estavam lá o pastor da congregação da noiva.
Logo após o noivado, a IELB o chamou para outro desafiador trabalho na cidade
de Candelária. Ele o aceitou e, devido à urgência em atender a localidade,
marcaram a data do casamento para o dia 03 de fevereiro do ano seguinte. Foi um
casamento com muitos convidados, igreja lotada e festa grande. Logo na segunda-feira
viajaram para Candelária, onde começaram efetivamente o “namoro”, que se
perpetua até os dias de hoje.
Candelária
foi um período bastante cheio de desafios. Tudo lá era grandioso, cultos com
centenas de ouvintes, confirmações com centenas de jovens, cinco batizados em
um mesmo culto, muitos sepultamentos. Durante esse período em Candelária,
nasceram os irmãos Angela Marta e Marcos Eugênio. Nossa mãe trabalhava no jardim
de infância na escola da Congregação, que ficava no térreo de um prédio de dois
pavimentos, e nós morávamos no piso superior. Foram tempos de algumas
dificuldades, porém de resultados maravilhosos no trabalho pastoral. Nossa mãe
sempre participou de todas as atividades possíveis, quer seja dando Escola
Bíblica ou formando e estimulando as reuniões de grupos de servas em cada congregação
por onde passaram. Em tempos de pouco material didático, ela se esmerava em
preparar, numa copiadora de gelatina, que fazia em uma forma, o material para
que os alunos e participantes tivessem algo em que trabalhar e fixar o
aprendizado. Foram centenas de “programas de Natal” criados por eles, estudados
e apresentados com a participação de crianças e jovens.
Em
1967, nosso pai aceitou chamado para Porto Lucena. Eram muitas localidades para
atender, algumas distantes e com estradas muito ruins, trajetos que fazia num
jipe, e problemas com enchentes do rio Uruguai. Porém, também foram 10 anos de
intenso trabalho para nossos pais. Em outubro de 1968, nasceu nosso porto-lucenense
Samuel Ricardo. Nossa mãe, nessa época, já trabalhava na escola estadual, e os
filhos mais velhos, que haviam sido alfabetizados por ela na escolinha da
Congregação, já frequentavam a “escola grande”. Foi então que nossa mãe
resolveu fazer faculdade de férias para aumentar suas possibilidades como
professora. Assim, ela dava aulas durante todo o período letivo e, já no
primeiro dia de férias, embarcava para Passo Fundo, de onde voltava apenas no
Natal, para passar conosco, e depois somente no final de fevereiro, para o
reinício das aulas. Todo esse tempo tivemos pouco a companhia dela, porém o pai
era muito presente, nos ajudando nas tarefas escolares e nos dedicando tempo de
qualidade, apesar da pouca quantidade, devido ao intenso trabalho ao qual ele
sempre se dedicou com esmero. Deus nos abençoou com uma infância muito feliz em
uma cidade pequena e acolhedora, com muitos e fiéis amigos.
Em
1976, o pai aceitou chamado para Niterói, Canoas – Congregação Cristo. Foi uma
triste despedida de Porto Lucena. Nós, as crianças, tínhamos muitos amigos, de
quem foi difícil a despedida. O último culto em Porto Lucena foi o da
confirmação do filho Marcos, que foi extremamente marcante, pois costuma ser um
culto festivo, porém, nesse, houve muito choro e lágrimas de despedida.
Chegamos
em Canoas no início de novembro de 1976 e fomos muito bem recebidos pela Congregação.
Foi aqui que nos tornamos jovens, sempre frequentando as reuniões da juventude,
cantando no coro da congregação, dando aulas de Escola Dominical e, é claro,
seguindo nossa formação escolar. Foram anos de trabalho maravilhoso, também
sempre com a casa lotada, ou de pessoas que vinham do interior para morar
conosco, ou de parentes, como as irmãs e irmãos de nossa mãe, primas, e sempre
muitos estagiários e P-200 da época, pois o pai foi, durante muitos anos, presidente
do Conselho Administrativo do Seminário Concórdia, responsabilidade que exigia
muita dedicação.
Foi
nesse período, no ano de 1987, que ocorreu um incêndio no escritório da
congregação. Foram consumidos pelo incêndio muitos dos escritos e livros que
nosso pai tinha comprado ou ganhado, coleções completas das obras de Lutero e
todos os sermões da sua vida pastoral. Nunca o havíamos visto chorar. Foi muito
desolador vê-lo impotente diante do fogo. Porém, felizmente, muito ainda se
salvou, em especial a vida de todos.
Em
1992, nosso pai resolveu “se aposentar” e acabou aceitando o trabalho na Igreja
Luterana Ortodoxa, em Gravataí, RS. Trabalhou lá por 7 anos, e, então, em 1999
tornou-se pastor emérito, nunca deixando, porém, de estudar a Palavra, escrever
devoções diárias, traduzir textos e, mais recentemente, tem dedicado uma boa
parcela do seu tempo e dons no trabalho com os obreiros eméritos, enviando
mensagens de consolo a enlutados, de ânimo a doentes e de alegria e bênção aos
aniversariantes. Em mais essa tarefa, Deus tem sido muito bom para com ele e
com toda a nossa família.
Esse
ano, no dia 3 de fevereiro, nossos pais comemoraram 60 anos de casamento.
Havíamos planejado fazer uma festa, porém a pandemia nos limitou a comemorar em
família, o que foi muito bom também. Como sempre costumamos fazer, cantamos
hinos a quatro vozes por mais de hora e estreitamos nossos laços familiares.
Seis netos coroam a trajetória familiar e ministerial deste servo de Deus. (Marcos Dauernheimer, com o apoio dos irmãos)
TESTEMUNHO
DE UM EX-CONGREGADO,
Sr. Hildor Schuenke (90 anos)
O pastor Eugenio Dauernheimer chegou em
Candelária no dia 3 de janeiro de 1962, solteiro. Na época, era presidente da
“Igreja Luterana Independente de Candelária” o sr. Arthur Schünke, meu pai. O pastor
Emérito era o pastor Ludwig Bohn, e o estagiário, Geraldo Krick, que mais tarde
casou-se com minha irmã Ladi.
O pastor Eugenio, após poucos dias em Candelária,
convidou meus pais Arthur e Silvina para serem padrinhos de seu casamento, que
ocorreu em Santa Rosa. Casou-se com Edeltraud Hegele no dia 3 de fevereiro de 1962.
Eu já integrava a Diretoria da Comunidade e tinha muito bom convívio com meus
pastores.
O pastor Eugenio visitava muitos membros,
enfermos, tanto em seus lares como no hospital. Também visitava para despertar
a espiritualidade, ensina muito a respeito de comunidade/igreja.
Acompanhou meu pai para visitar quase todos os cerca
de 6.000 membros para obter ofertas/recursos financeiros para o pagamento de um
Jeep novo. Até então, o pastor Bohn fazia os atendimentos a cavalo.
O pastor Eugênio não se intimidou quando lhe
falamos do muito trabalho nesta grande comunidade de mais de 6.000 membros.
Seriam, mais ou menos, por ano: 200 batizados, 70 casamentos, 80 alunos para o
ensino confirmatório, 300 a 500 participantes na santa ceia nos cultos de
Sexta-Feira Santa e Páscoa, 70 sepultamentos. Para os sepultamentos no
interior, nos primeiros anos do pastor Eugênio, eram solicitados os préstimos
do pastor Bohn, em alemão. Quando o pastor Eugênio assumiu em Candelária, a
contribuição dos membros era anual: uma taxa fixa estabelecida pela diretoria. Ele
introduziu a contribuição mensal através de envelopes.
O pastor Eugenio, para mim, foi um ótimo
professor em espiritualidade, e nossa amizade continua.
Nascimento:
10/04/1933, em Arroio do Meio, RS
Filho
de Alfredo e Emma Paulina Dauernheimer
Formatura:
01/12/1957.
Ordenação:
01/02/1958, em Giruá, RS
Casamento:03/02/1962, em Santa Rosa, RS
Esposa:
Edeltraud Hegele Dauernheimer
Filha
de Adolfo Hegele Filho e Olga Kirsch Hegele
Filhos:
Angela Marta Dauernheimer, Marcos Eugenio Dauernheimer e Samuel Ricardo
Dauernheimer
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