Tudo mudou com um punhado de sementes de soja


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28/09/2022 #Reflexão #Editora Concórdia #Exclusivo Assinantes

Foi em 1915 que o pastor Albert Lehenbauer, recém-formado no seminário de St. Louis, em Missouri, nos Estados Unidos, chegou em Porto Alegre, RS.

Tudo mudou com um punhado de sementes de soja

Foi em 1915 que o pastor Albert Lehenbauer, recém-formado no seminário de St. Louis, em Missouri, nos Estados Unidos, chegou em Porto Alegre, RS. Sua intenção era tornar-se um missionário na China, mas, com o início da Primeira Guerra Mundial, a China fechou suas portas para estrangeiros.  Assim, ele decidiu viajar à América do Sul seguindo seus dois irmãos mais velhos, que também eram missionários.  Seu irmão, Conrad, havia chegado ao Brasil em 1913, e George, em 1914. Hospedou-se no Seminário Concórdia uns poucos dias e dali rumou para a região de Sta. Rosa, onde serviu à Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) até 1937.  Por um bom tempo o pastor Albert atendeu até 19 pontos de missão, no assentamento Guarany, atual município de Ubiretama, RS.  É difícil imaginar quantas horas passou na sela da sua mula percorrendo a vasta região durante os primeiros anos.  Além do trabalho de missão, foi o editor do LutherKalender para a América do Sul e co-editor do Kirchenblatt de 1925 a 1937 (alemão).  Também exerceu vários outros cargos dentro da igreja, como vice-presidente do distrito brasileiro.  Foi o editor do Himnario Evangelico Luterano (espanhol), e co-editor de vários livros em português e em espanhol. Aceitou um chamado para servir à Igreja Luterana na Argentina em 1937, primeiro como diretor em seu seminário, em Buenos Aires, e, de 1946 até 1955, quando faleceu, foi professor de dogmática. Ele era uma pessoa extremamente capaz e foi abençoado com muitos dons.  Interessava-se tanto pelo campo da teologia como também por outros temas. Organizou várias escolas durante o seu pastorado no Brasil, e ele mesmo cuidou para que leigos fossem capacitados a lecionar nelas. Também fundou uma cooperativa de agricultores, pois os problemas dos imigrantes eram imensos, e queria ajudá-los a melhorar de vida.

Em 1918 o pastor Albert Lehenbauer se casou com Helena Priebe, uma jovem de origem alemãrRussa. Eles foram abençoados com oito filhos, dos quais seis nasceram no Brasil, um nos Estados Unidos, e o mais jovem na Argentina. 

Os colonos vindos da Ucrânia, Rússia e Alemanha haviam tido uma vida muito dura antes de chegar ao Brasil e continuavam a enfrentar grandes desafios.  Por isso o pastor se esmerou em introduzir seus congregados em técnicas diferentes das que conheciam.  Como sua esposa se interessava muito pela apicultura e mantinha suas próprias colmeias, ele incentivou seus paroquianos a fazerem o mesmo.  Também os incentivou a cultivar plantas que, ao florescer, forneciam uma boa quantidade de néctar, para que as abelhas pudessem produzir mais mel.  Sugeriu-lhes a criação de peixes em açudes e auxiliou no cruzamento de bovinos para maior e melhor produção de leite e carne, e aumento do consumo de proteína na sua alimentação.  Tornou-se o professor das crianças nas escolas paroquiais, e é muito provável que até tenha elaborado um livro de caligrafia e leitura em português para educá-las, pois a grande maioria das famílias falava a língua do seu país de origem, ou seja, não liam nem escreviam em português. Como gostava muito de música, não só insistiu que seus filhos aprendessem a tocar um instrumento, mas incentivou seus alunos no canto e na música. Uma noite por mês, promovia um encontro para quem quisesse vir e escutar discos. Numa carta de 1916, também menciona que a água de consumo da casa pastoral tinha que ser trazida de uma boa distância. Quando descobriu que havia uma bomba de água que podia bombear água morro acima sem fazer uso de energia elétrica, ele incentivou sua aquisição para abastecer a casa pastoral com água corrente, o que facilitou muito a vida da sua família.  

Desde sua chegada ao Brasil, o pastor Lehenbauer sempre se preocupava com a situação dos colonos, membros de suas congregações. Como lia muito, ficou empolgado com um artigo em que o autor dizia que certas plantas produzem nódulos nas suas raízes, onde mudam a composição do nitrogênio capturado do ar e o introduzem na terra como fertilizante. Cerca de 79% do ar que respiramos é nitrogênio, mas nesta forma não pode ser utilizado por plantas. Logo pensou: se pudesse obter uma planta que pudesse adubar a terra com nitrogênio, isso seria uma grande bênção para os agricultores. Foi assim que aprofundou seu conhecimento sobre a soja, e resolveu introduzir este singelo grão nas terras de Guarany.

Como havia desenvolvido uma doença estomacal que requeria uma cirurgia bastante delicada, os médicos brasileiros o aconselharam a viajar para os Estados Unidos ou para a Alemanha. Em 1923, ele recebeu licença para viajar e fazer esse procedimento. Decidiu ir para a Alemanha com sua esposa Helena e seu filho.  Ao chegar lá, após inúmeros testes, nada encontraram de errado e o declararam curado. Já durante a viagem e mesmo depois, enquanto esperava os resultados dos exames médicos, o pastor Albert escreveu seu livro: Roughing it for Christ in the Wilds of Brasil (Batalhando por Cristo nas selvas do Brasil). Esse livro foi tão procurado que passou rapidamente por três edições, todas publicadas na Alemanha. (A pedido da minha mãe, eu tive o prazer de traduzi-lo para o português.) Em 1964, o Sínodo de Missouri decidiu homenagear o trabalho do meu avô, reeditando uma obra abreviada das três originais anteriores, que foi publicada nos EUA. 

Missouri até hoje é um estado agrícola, onde se cultivam variados tipos de grãos. No início de 1900, lá já se plantava a soja.  Aliás, a irmã e o cunhado do pastor Albert plantavam soja na sua fazenda em West Ely quando ele foi visitá-los naquele ano.  No livro da Fenasoja de 2004, na página 40, há uma cópia da carta escrita por minha avó, Helena, onde ela menciona que foi sua cunhada que lhes deu um punhado de sementes de soja.  A família retornou a Guarany no dia 12 de novembro de 1923. Meu avô não perdeu tempo em plantar as sementes que havia trazido. Um punhado de sementes de soja são um pouco mais de 160 sementes. De acordo com a carta da avó Helena, as primeiras plantas não cresceram muito altas, ainda assim produziram o dobro de grãos no primeiro ano. Na mesma carta, ela diz claramente que a cada ano seguinte as plantas não só cresceram mais, mas produziram bem mais grãos. Portanto, é fácil de entender por que a soja se espalhou tão rapidamente na região. Também é razoável concluir que as casas de comércio agrícola, com o tempo, se empenharam em adquirir o produto para revendê-lo aos seus fregueses.

Minha avó contou que, como eles voltaram de navio, meu avô estava preocupado que as sementes pudessem estragar durante a viagem, com a exposição ao ar marinho por um mês inteiro.  E foi assim que, por sugestão da sua irmã de Missouri, os dois decidiram usar uma garrafa, colocando um punhado de sementes nela e deixando o resto da garrafa vazia. Lacraram a garrafa para que o ar salgado não afetasse o conteúdo.  E foi assim que a soja chegou à Sta. Rosa, entre suas bagagens. 

Meu avô estava muito curioso para ver como germinariam e o quanto produziriam em solo brasileiro. Como a soja germinou bem no Brasil e a produção de sementes aumentava todos os anos, depois de reservar parte delas para o ano seguinte, o Pr. Albert passou a distribuir 2, 3 sementes para o maior número possível de congregados, para eles mesmos plantarem e distribuírem aos seus conhecidos. Desta forma, em um tempo relativamente curto, centenas de pessoas puderam plantar a soja. Minha avó disse que mais tarde, quando plantou algumas sementes entre suas flores do jardim, elas cresceram muito bem, e várias mudas produziram até 400 sementes, sendo que alguns dos seus vizinhos tiveram o mesmo êxito. Essa seria uma maneira simples e bastante lógica de explicar como em poucos anos, a partir de 1924, mais colonos tiveram acesso à soja e puderam produzir este grão em suas lavouras. A partir daí, alguns deles plantaram a soja em maior escala, como está descrito no livro da Fenasoja, de 2004. Especialmente quando as pessoas aprenderam que a soja poderia ser usada para a alimentação animal e humana, bem como para tantos outros usos na indústria.

O que o meu avô queria era tão somente ajudar os colonos a progredir econômica, social e intelectualmente. Julgava que haveria meios de facilitar a vida daquelas pessoas cujos antepassados sofreram tanto em terras distantes, e que não estavam em melhores condições após imigrarem. Ele acreditava que se os colonos tivessem as ferramentas certas, eles mesmos trabalhariam com entusiasmo para melhorarem de vida. Com certeza, as ideias vieram de suas extensas leituras, e da correspondência que mantinha com pessoas de três ou quatro continentes. Aliás, como sua correspondência era tão importante para a sua comunicação com a igreja-mãe nos Estados Unidos, com familiares e amigos, ele ajudou a melhorar o sistema de correio, entre Guarany e Santa Rosa.

À primeira vista, talvez, todas essas coisas não pareçam ser tão importantes, mas todas elas cooperaram para melhorar a vida dos habitantes de Guarany, e impulsionaram o setor agrícola. O resultado que vemos hoje modificou a vida de muitas pessoas como nunca ninguém imaginou, muito menos meu avô.  

 

 

Pastor Walter Lehenbauer

Cloquet, Minnesota, EUA

 

Redação: Contraponto ou complemento à matéria publicada no Mensageiro Luterano, julho de 2022, p. 22 e 23, sob o título: UM BERÇO PARA A SOJA, de Anete Rosane k. Guimarães.

 

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