As liberdades públicas (a religiosa é a primeira) são fruto do sacrifício de muitas gerações para que chegássemos a hoje.
A fé ou crença religiosa é uma
necessidade humana fundamental. Afirmar isso significa que este fenômeno
enfeixa uma série de direitos, inerentes à nossa humanidade. Ter, deixar de
ter, mudar, testemunhar, ensinar e aprender são exemplos da crença na vida de
uma pessoa. E, como você pode notar, todas essas capacidades se pode exercitar
sozinho. Assim, o núcleo essencial desse direito é a liberdade de se
identificar com uma crença formando uma unidade existencial com a mesma e
pautando sua vida e moldando sua visão de mundo a partir dela.
Já a religião fala de outras
atitudes. Religião é um exercício quase sempre coletivo; informal ou institucional.
É um fato social, onde se faz “com o outro”. Aqui o núcleo é a liturgia, o
culto, a comunhão, a vida comunitária. A liberdade religiosa, portanto, encerra
liberdades subjetivas da expressão da fé ou crença, bem como, objetivamente,
ordena a sociedade criando um espaço para a influência do transcendente, onde o
Estado não pode, quando laico (ou jamais deveria), intervir.
Um exemplo entre nós, luteranos, que
pautamos nossa vida religiosa pela “via sacramental” é a santa ceia. Este
“comer e beber sacramental” somente pode ocorrer no seio da comunidade dos
santos, onde o ministério é exercido com um presbítero (pastor) chamado e
ordenado, com toda a responsabilidade espiritual que este mistério representa
em nossa jornada de fé. Temos sempre em mente o chamado a “discernir o corpo e
sangue”, de forma a não comermos e bebermos juízo para nós mesmos.
E por que é importante diferenciar
esses conceitos? Justamente por aquilo que constitui um elemento sem o qual não
mais existe aquela liberdade. E tivemos no Brasil um duro exemplo de como não
saber diferenciar, sofremos restrições profundas às liberdades mais importantes
do sistema constitucional brasileiro.
No auge da pandemia, quando ainda
achavam que a solução era o famigerado lockdown, as autoridades
brasileiras foram bastante duras com relação aos templos, sendo que, em alguns estados,
a proibição de abertura era total. Nem mesmo a França e a Bélgica, países
historicamente hostis com a religião, tiveram tal atitude. Isso fez com que o
Brasil despencasse da 41ª para a 128ª posição em um ranking internacional que
mede o exercício da liberdade religiosa em 168 países.
Essa situação é grave na medida em
que nós escolhemos na Constituição de 1988 que a liberdade religiosa seria
estruturante e ordenadora de todo o sistema. Sem liberdade religiosa não há
dignidade, cidadania, soberania ou democracia. Se o Estado puder forçar a forma
como exercitar a fé, pode também, eventualmente, esmagá-la. Obviamente que os
devidos cuidados deveriam ser tomados. Lembremos dos decretos restritivos de
capacidade dos templos; o que não podia era lacrar, fechar, não permitir o
consolo espiritual pelo símbolo da casa de Deus com suas portas abertas.
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