Lembrança, dor e esperança: A curta história de Dorothy Beer


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29/07/2021 #Reflexão #Editora Concórdia #Exclusivo Assinantes

Entre vários acontecimentos, dificuldades e realizações, de toda a história de Otto e Lena Beer no Brasil, um episódio se destaca.

Lembrança, dor e esperança: A curta história de Dorothy Beer

O que chamamos hoje de Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) não era, inicialmente, um sínodo independente, mas um dos muitos distritos da Lutheran Church-Missouri Synod (LCMS). Naquelas primeiras décadas, era comum que pastores norte-americanos viessem servir no Brasil. Alguns permaneceram por aqui por longos anos. Muitos estiveram por pouco tempo. Seja como for, é certo que os que se aventuraram neste país tão distante dos Estados Unidos (lembre-se de que vinham e voltavam em demoradas viagens de navio!) viveram a oportunidade e o desafio de dialogar com uma cultura diversa. Assim como eles deixaram entre nós um legado de seu trabalho, levaram consigo também, em seu retorno à América do Norte, experiências significativas.

Um desses vários pastores foi Otto Beer (1897-1988). Filho de pastor nos Estados Unidos, Otto chega ao final de seu percurso no Concordia Seminary (St. Louis) em 1920. Aquele jovem nascido em 8 de abril de 1897, recebe um chamado para o Brasil. Ele conversa com Lena Blume, que viria a ser sua esposa. Ela gostaria de ir!

Otto Beer é ordenado em 21 de março de 1920. Casa-se em 27 de abril do mesmo ano. Em junho, Otto e Lena começam sua viagem rumo a São Leopoldo.

O tempo que viveram por aqui é marcado por intenso trabalho na região de São Leopoldo, Novo Hamburgo e Porto Alegre, além de uma mais breve estada em Roca Sales.

Nas memórias do pastor Beer, escritas na década de 1970, encontramos, por exemplo, explicações sobre o costume de se tomar chimarrão e uma inusitada saudade do chuchu: “Eu não sei como se soletra corretamente o nome dessa fruta, se é que era fruta. Ela cresce numa planta como ‘vinha’, parece com algo como uma pera e era cozida em melado de açúcar, feita na forma de salada como batatas e preparada de diversas outras formas. Tinha um gosto bom e nós frequentemente sentimos falta dela por aqui”. Além dessas peculiaridades mais triviais, há algum detalhamento sobre seu trabalho missionário e, por exemplo, menção de sua participação na fundação da Casa Publicadora Concórdia do Brasil (hoje Editora Concórdia), na qual trabalhou até 1930, com a curiosa anotação de que, à época, Pete Seuel, da Concordia Publishing House, dos EUA, mostrou-se um pouco insatisfeito pelo uso do nome.

Contudo, entre vários acontecimentos, dificuldades e realizações, de toda a história de Otto e Lena Beer no Brasil, um episódio se destaca. Trata-se da curta vida de sua primeira filha, Dorothy. Julgo válido traduzir as próprias palavras do pastor:

"Dorothy Louise nos foi dada no dia 22 de maio de 1921. Ela era uma criança saudável e se desenvolvia muito bem. Mas sua estada conosco foi curta. No dia 30 de novembro, eu tive meu primeiro ensaio com as crianças para o culto da véspera de Natal. A sessão começou às 19h. Era verão e os dias eram longos. Então, eu disse a Lena para deixar Dorothy pronta, e visitaríamos os Merkers depois das 20h. Mas quando voltei para casa, Lena me contou que Dorothy tinha vomitado. Eu fui ao seu berço, tomei-a nos braços – e ela vomitou de novo. Quando vomitou, era como água jorrando de uma mangueira. Nós chamamos o médico, que declarou que se tratava de meningite. Ela passou bastante bem até o entardecer seguinte, quando começou a jogar sua cabeça para frente e para trás e a emitir gemidos terríveis. Continuou assim durante toda a noite. Então, dia 2 de dezembro, nossa professora me chamou ao quarto dizendo que a criança parecia pior. Eu a tomei nos braços – e, num piscar de olhos, ela faleceu. Nós a sepultamos no dia seguinte no Cemitério de São Leopoldo, onde ela está dormindo até a grande manhã da ressurreição. Nós esperamos encontrá-la novamente aos pés do Cordeiro, que preparou um lugar para todos os que o amam. Seu túmulo tem sido cuidado todos esses anos. Eu ainda envio ao pastor Warth um presente de Natal por seus esforços em nosso favor por esses 50 anos."

Mesmo na exposição dessa memória tão dolorosa, o pastor Beer encontra na Palavra a fonte de sua esperança e, além disso, não deixa de comunicar a nós, seus leitores, essa luz em meio às sombras da vida.

Após mais de nove anos no Brasil, o pastor Otto volta para os Estados Unidos com sua família, ainda com o propósito de retornar. Lá, percebe que, durante essa década de ausência, muita coisa havia mudado entre seus parentes. Pessoas faleceram. Pessoas se casaram. Filhos nasceram.

Ouvindo conselhos de seu pai e pensando no bem de sua família, decide aceitar um chamado para a Immanuel Lutheran Church, na cidade de Springfield (Illinois), sendo ali instalado no primeiro domingo de julho de 1931.

Em 1984, doze anos depois de escrever suas memórias, que serviram de base para o presente relato, o pastor Beer comenta sobre a repercussão inesperada dessa sua autobiografia. Conclui com as seguintes palavras:

“Posso dizer às minhas humildes memórias: Vão e contem às pessoas sobre a vida e o trabalho de um missionário. Deixem que sobrinhos e sobrinhas tenham uma cópia, e outros também. Que isso possa acrescentar adoração e gratidão ao nosso grande Deus, que enviou Seu Filho Jesus Cristo para redimir a humanidade pecadora, e, ainda agora, convida todos os pecadores: CRÊ NO SENHOR JESUS CRISTO, E SERÁS SALVO.”

Nós dizemos: Amém.

Cesar Motta Rios

Pastor em Miguel Pereira, RJ

 

 

DEPOIMENTO

“Meu envolvimento com esta história teve início no ano passado. Lendo a bonita história que consta no livro Um Grão de Mostarda (Editora Concórdia), me interessei em saber onde descansava o corpo da pequena Dorothea que teve a vida aqui neste mundo muito breve! Após algumas pesquisas, encontrei no local uma lapide em mármore coberta por musgos, sem flores, enfim, uma sepultura esquecida! Aliás, já estava na lista da Prefeitura para ser desocupada, pois a taxa anual para uso do espaço não estava sendo paga. Como eu fazia parte da diretoria da comunidade Concórdia, de São Leopoldo, onde o pastor Otto Beer, pai da menina, exerceu o ministério pastoral, sugeri à Diretoria da época que a lápide fosse trazida para o jardim da comunidade, a fim de que fosse preservada a memória; a ideia foi aceita e assim fizemos!

A lápide ficou lá até que a nova liderança da comunidade entendeu que ali não era o lugar mais adequado, então, com a ajuda da sra. Cinara Jung, damos início à regularização da sepultura junto à administração do cemitério. Por minha conta, contratei um pedreiro que fez a reforma do túmulo e recolocou a lápide no lugar devido; desde então, por residir próximo ao cemitério, tenho cuidado deste túmulo como se fosse de um familiar meu, fazendo a limpeza necessária e colocando flores de vez em quando. A lápide que outrora estava encoberta pelo limo, hoje, limpa, informa em alemão: "Aqui repousa em paz Dorothea Beer". Fico muito feliz e agradecido a Deus que com esta pequena atitude está preservada uma parte da história da nossa igreja, de um pai pastor que deixou a sua terra para trabalhar na edificação do Reino e voltou para os EUA, deixando adormecida aqui um pedaço de sua vida! Segundo palavras do pastor Otto Beer, descritas no livro Um Grão de Mostarda, ele tinha a firme esperança de um dia encontrar-se com esta filha junto à árvore da vida! Que belo testemunho!”  (São Leopoldo, 17 de setembro de 2020, Tiago Jeske).

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