Aceitamos como “canônicos”, ou, como norma de fé e prática, os livros da Bíblia que, historicamente, compõem o Antigo e o Novo Testamentos.
Temos
bastante familiaridade com a expressão “cânone”. Sabemos que sua raiz
etimológica é ligada à palavra “kanón”, que era um tipo de vara, a qual servia
como unidade de medida. Justamente disso derivou-se a “medição” como uma
espécie de padrão ou regra, chegando ao significado conotativo que encontramos.
Aceitamos como “canônicos”, ou, como
norma de fé e prática, os livros da Bíblia que, historicamente, compõem o
Antigo e o Novo Testamentos. A igreja de Roma manteve, junto com as Escrituras,
o chamado magistério da igreja e a chamada “tradição apostólica” como
equivalentes e complementares para guiarem os fiéis. Já entre nós, herdeiros da
Reforma, o Sola Scriptura reclama primazia absoluta.
A
partir do século 4º, quando o cristianismo se tornou a religião oficial do
Império Romano com o Edito de Tessalônica, promulgado por Teodósio Magno em
384, foi inaugurado um arranjo sócio-político-religioso conhecido como
“cristandade”. Mesmo depois da queda de Roma em 476, esta unidade social
europeia perdurou por mais de um milênio, e a conformação jurídica se dava
pelas regras herdadas dos romanos, agora com o conteúdo moral do cristianismo.
E esta “mistura” jurídica se deu a partir do chamado Direito Canônico, que
tratava tanto da vida organizacional da igreja quanto de assuntos privados de
clérigos e leigos.
Já a Reforma
foi o estopim que desencadeou variados movimentos na Europa medieval,
culminando no Estado moderno como o conhecemos. Naturalmente que as regras de
convivência – o Direito – também foram se aprimorando para chegar até os
sistemas atuais, onde somos guiados por uma Constituição política, ordenadora
de todo o sistema jurídico. E aqui também se enxerga outro processo bastante
diferente do que havia na “cristandade”, que é a sociedade plural. Ser cristão
não é mais um status quo do cidadão,
porém um voluntário compromisso de consciência da fé recebida, seja pelo batismo
ou pelo ouvir da Palavra.
Desta forma,
o conjunto normativo que regula a vida da igreja, “organização”, e do
“organismo”, o corpo místico de Cristo, passou também por grandes
transformações a partir do século 16. Enquanto a Igreja Romana segue tendo seu
Código de Direito Canônico (atualmente o promulgado em 1983 por São João Paulo
II), as igrejas oriundas da Reforma buscaram outros caminhos. A teologia dos
dois reinos de Lutero diferencia o reino secular e o espiritual, sendo função
dos membros em comunidade organizarem as normas de conduta, enquanto o Poder
Público deveria garantir o espaço de liberdade para o exercício religioso e
combater os abusos.
Nas
Confissões não encontramos regras canônicas expressamente, porém são fontes
primárias para as normas de vida eclesiástica (vide Conf. Augsburgo V, VII,
XIV, XV e XXVIII).
O Brasil, por ter uma
laicidade colaborativa (art. 19, I, da Constituição) dá ampla liberdade para
que as organizações religiosas se estabeleçam conforme a norma de sua oração (o
princípio lex orandi lex credendi). Isto permite que
os luteranos confessionais possam, livremente, estabelecer o conjunto normativo
em seu Estatuto, Regimento e demais resoluções sinodais, de acordo com suas
fontes primárias (Bíblia e Confissões), secundárias (concílios, tratados
teológicos etc.) e, assim, fazerem tudo com “ordem e decência”.O trabalho jurídico em Direito Religioso é,
portanto, fazer o devido espelhamento das normas do corpo eclesiástico à
teologia, no pleno exercício da liberdade religiosa.
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