Acesso de arquivos da igreja por terceiros como proceder?


Ler em formato flip
26/01/2023 #Congregações #Artigos #Editora Concórdia #Exclusivo Assinantes

Dúvidas sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

Acesso de arquivos da igreja por terceiros como proceder?

Tenho me reunido com algumas congregações luteranas para esclarecer dúvidas sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), e uma dúvida que surge, que pouco tem relação com LGPD, é a questão de acesso a documentos e registros da congregação por terceiros.

Percebi que o assunto não é assim tão raro de acontecer, e há poucos esclarecimentos sobre como proceder, deixando pastores e diretoria em dúvida. Então, para colaborar, seguem esclarecimentos e sugestão de procedimentos:

 

Que arquivos podem ser acessados por terceiros?

Alguns documentos podem e devem ser acessados por terceiros, como: certidões de casamento, de batismo, confirmação e profissão de fé; registros de transferências de membros; cadastro de pessoas contratadas para trabalhar na congregação, seja por carteira assinada (CLT), seja por contrato; documentos fiscais e contábeis, extrato de conta bancária; atas de reunião de diretoria, atas de assembleia; estatuto, regimento interno; e o cadastro individual dos membros.

 

Quem são os terceiros?

Chamamos de “terceiros” quem não faz parte da congregação. Exemplos: escritório de contabilidade; advogados; pesquisadores; autoridades; outra congregação; o Centro Administrativo da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB); e particulares (pessoas físicas sem nenhuma ligação com a congregação). 

 

Em que situação esses terceiros podem acessar esses documentos?

Basicamente são cinco as situações em que terceiros podem acessar os arquivos da congregação: processo judicial ou administrativo; pesquisa; interesse privado; contrato; e fiscalização.

 

Situação 1

Acesso a documentos por terceiros devido a processo judicial ou administrativo

 

É bastante comum, quando uma pessoa está buscando reconhecimento de aposentadoria rural, seja pela via administrativa (INSS), seja judicial (Justiça Federal), ter que provar sua ligação com a terra. Essa prova é obtida através de certidões de casamento ou de batismo. Por esta razão, pessoas com ou sem nenhuma ligação com a congregação buscam na igreja uma 2ª via ou cópia autenticada de certidões de seus pais ou avós.

Nestes casos, a não há como negar o acesso ao documento, é um direito da pessoa obtê-lo; se a congregação negar, poderá ter que responder a outro processo judicial ou ter que atender o pedido via ordem judicial.

Tipo de documentos requisitados:

Certidão de batismo, casamento; confirmação ou profissão de fé. Registro de transferência de membros.

Como proceder?

1 – Confira o real relacionamento entre quem requer o documento e os nomes que constam no documento.

2 – Não entregue originais para que a pessoa faça cópia e depois devolva.

3 – Agende para a pessoa retirar uma cópia autenticada.  

4 – Nem todas as congregações arquivam uma via da certidão, algumas apenas registram no livro (Livro de Batismos; Livro de Casamentos, etc.), neste caso, a Diretoria deve elaborar uma certidão, assinada pelo presidente, declarando que no livro tal, na página tal, encontra-se o registro do casamento de fulano; ou o batismo de cicrano ocorrido naquela congregação, em tal data. MUITO IMPORTANTE, nesse tipo de documento, para não prejudicar a pessoa, é referir datas, local e testemunhas (padrinhos).

Outra possibilidade judicial é quando a própria congregação estiver envolvida em algum processo judicial, nesse caso, pode acontecer de o juiz requisitar documentos que contenham dados pessoais dos membros.

Tipo de documentos requisitados:

Estatuto, Regimento Interno, cadastro de membros, registro de ofertas, extrato bancário, relatórios fiscais, contratos, etc. Dependerá de cada caso.

Como proceder neste caso?

1 – Nunca entregue documentos originais, nem para o advogado ou advogada. Somente entregue documentos originais se a ordem judicial referir essa obrigatoriedade.

2 – Verifique com o advogado ou advogada a possibilidade de pedir sigilo judicial do documento, para não expor o nome dos membros. Lembre-se que o processo judicial é público, portanto, qualquer pessoa pode ter acesso, menos a documentos classificados com grau de sigilo.

 

Situação 2

Acesso a documentos para fins de pesquisa

 

Também não é raro das igrejas serem procuradas por pessoas que estão pesquisando sobre sua própria origem, montando sua árvore genealógica, ou historiadores pesquisando sobre origem de povoados, localidades, famílias, etc.

Nesses casos, as igrejas são fontes fundamentais de pesquisas, e aqui os procedimentos serão diferentes conforme o decurso de tempo de cada documento.

Primeiro, é importante que as congregações entendam que o acesso a esses documentos é regulado por duas leis diferentes: a Lei Federal nº 8.159/91 e a Lei Federal nº 13.709/18 (LGPD).

O art. 16 da Lei nº 8.159/91, combinado com o art. 22, § 2º, Inc. III do Decreto nº 4.073/22, determina que os registros de arquivos de entidades religiosas produzidos anteriormente à vigência do Código Civil de 1916 passam a ser de interesse público e social.

Ou seja, os arquivos das igrejas, anteriores ao código civil não são mais das igrejas, mas do Estado Brasileiro. Sendo assim, as igrejas, de “donas dos registros” passam a ser “fiel depositário”. Essa condição coloca as igrejas na obrigação de zelo dos documentos. Eles não podem ser destruídos, comidos por traças, molhados por goteiras, café ou chimarrão, não podem ser danificados por mofo ou poeira, e são de livre acesso público.

Quanto aos documentos posteriores a 1916, o acesso passa a ser regulado pela LGPD. O problema é que a própria LGPD estabelece um marco temporal quanto aos procedimentos a serem adotados antes e depois da LGPD (2018). Para documentos com dados pessoais anteriores à LGPD, é necessário aguardar uma regulamentação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Essa regulamentação ainda não existe.

Tipo de documentos requisitados:

Certidão de batismo, casamento; confirmação ou profissão de fé. Registro de transferência de membros.

Como proceder nesse caso?

 

Documentos anteriores a 1916

Documentos posteriores a 1916 até 2018

Documentos posteriores a 2018

·         Livre acesso, não pode impedir.

·         O acesso deve ser em ambiente preparado, o pesquisador não pode estar consumindo alimento ou líquidos.

·         Deve ter alguém acompanhando a pesquisa.

·         O pesquisador deve usar luvas.

·         Registrar o acesso, quem, quando, o que.

·         O pesquisador não pode levar os documentos, se for necessário cópia deve formalizar o pedido.

·         É possível cobrar pelo custo de cópias.

·         Deve ser conferida a seriedade da pesquisa.

·         O pesquisador deve assinar um termo de responsabilidade de que não usará os documentos para outra finalidade.

·         O acesso deve ser em ambiente preparado, o pesquisador não pode estar consumindo alimento ou líquidos.

·         Deve ter alguém acompanhando a pesquisa.

·         O pesquisador deve usar luvas.

·         Registrar o acesso, quem, quando, o que

·         ATENÇÃO: O pesquisador não pode levar os documentos, se for necessário cópia, deve formalizar o pedido de cópia – se o documento for de pessoa viva, ela precisa autorizar. Se for de falecido, não precisa de autorização.

·         Para fotos dos documentos, só se a congregação tiver certeza de que se trata de pessoa falecida. Se o documento for de pessoa viva, não é permitido foto, só com autorização.

Rever essas orientações quando a ANPD publicar regulamentação sobre esse período.

·         Se a congregação tiver um programa de proteção e privacidade de dados, deve seguir o que for definido na política de proteção.

 

·         Se a congregação não tiver um programa de proteção e privacidade de dados, o pesquisador deve requisitar formalmente o acesso, devendo especificar se faz parte de alguma instituição de pesquisa. Se sim, a instituição deve apresentar uma declaração de Conformidade com a LGPD; a linha de pesquisa, e que dados quer acessar. Se o pesquisador não tiver ligação com nenhuma instituição de pesquisa, ou educacional, o acesso não pode ser franqueado sem autorização do titular.

 

Situação 3

Acesso a documentos por interesse privado/particular

 

É o caso de exercício de transparência, quando o membro deseja acessar documentos buscando esclarecimento próprio sobre a movimentação contábil da congregação, seu patrimônio, acompanhar ou confirmar o ingresso de receitas e saída de despesas. O acesso a esses documentos trata-se de exercício de direito de um membro filiado à congregação e um dever de transparência da administração. A recusa a acesso a esses registros pode causar embaraço, desavenças e, em casos mais graves, processos judiciais.

Outra situação trata da cópia de documentos referentes ao próprio membro da congregação: é direito constitucional e legal previsto na LGPD. A negativa pode acarretar sérias consequências para a congregação.

Tipo de documentos requisitados:

Certidões de batismo, casamento; confirmação ou profissão de fé; em seu nome. Registro de transferência; dados cadastrais, registro de ofertas e doações, tudo em nome próprio.

Movimentos financeiros, relatórios contábeis, atas de reunião de diretoria, atas de assembleia, estatuto, regimento interno, notas fiscais, recibos, etc.

Como proceder nesse caso?

Documentos referentes ao próprio membro da congregação:

Livre acesso; correção; eliminação de dados desnecessários; e cópia.

Documentos administrativos da congregação:

Livre acesso e cópia.

 

Situação 4

Acesso a documentos para fins de execução de contrato

 

Algumas congregações contratam serviços de terceiros para execução de atividades complexas, como o caso de escritórios de contabilidade; RH; banco de dados de cadastro de membros, entre outros.

Nessas situações, deve existir um contrato formal, determinando não só o serviço prestado como um termo de confidencialidade, mas impondo ao terceiro uma multa elevada em caso de divulgação de informações da congregação que eles vierem a ter conhecimento, como valor em conta corrente; investimentos; ou dados pessoais de membros, pastores ou empregados.

Tipo de documentos requisitados:

Movimentos financeiros, relatórios de tesouraria, atas de eleição em assembleia, estatuto, notas fiscais, recibos, etc. Ficha de empregado, atestados médicos; certidão de nascimento de filhos de empregados; etc.

Como proceder nesse caso?

Repassar sempre cópia de documentos, de preferência na forma digitalizada e por e-mail, para ter registro da operação.

Revisar o contrato com esses terceiros para verificar se há cláusula de confidencialidade.

Notificar os terceiros para apresentar declaração de adequação à LGPD.

 

Situação 5

Acesso a documentos para fins de fiscalização por autoridades

 

Autoridades podem exigir a apresentação de documentos diversos sempre em seu formato original.

Tipo de documentos requisitados:

Qualquer documento, dependerá do caso concreto.

Como proceder neste caso?

A congregação deve ser notificada formalmente antes, para apresentar os documentos ao órgão. Nessas situações, é aconselhável procurar auxílio jurídico.

Muito dificilmente pode ocorrer fiscalização no local. Nesse caso, quem atender deve exigir uma identificação do agente, pedir o expediente que determina a fiscalização e antes de deixar a pessoa entrar, confirmar com o órgão.

Espero ter ajudado a esclarecer sobre como proceder nessas situações. Se ainda persistirem dúvidas, sugiro procurar por auxílio jurídico.

 

*Fabio Leandro Rods

Advogado

Líder leigo distrital

Porto Alegre, RS

fabio.rods@gmail.com

 

Assine o mensageiro luterano e fique por dentro dessa e outras notícias

Já é assinante?

Não sou assinante

Congregações Leia mais


Assine o Mensageiro Luterano e
tenha acesso online ou receba a
nossa revista impressa

Ver planos