CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A sexualidade nos acompanha
desde o nascimento até a morte. É inata, como a fome, a sede, o sono, por
exemplo. Todos os dias, às vezes mais, às vezes menos, manifestações da fome,
da sede, do sono, do sexo, acontecem.
Não se aprendem por
ensinamento: simplesmente, são. Precisamos, sim, em relação aos exemplos da
fome, da sede, do sono, do sexo, educá-los, acompanhar e proporcionar seu
amadurecimento, ter controle e responsabilidade sobre eles conforme vamos nos
desenvolvendo como pessoas.
Aprendemos com o dr. Martinho
Lutero que, na reflexão teológica, estão e precisam estar presentes muita
“oratio, tentatio e meditatio”, muita oração, tentação e meditação.
Na minha trajetória de mais de
50 anos de pastorado dedicados especialmente ao aconselhamento pastoral e à psicoterapia,
o assunto da sexualidade foi uma constante, vivida e vivenciada pelos irmãos e
irmãs na fé e pelos pacientes em geral.
Com que alegria, satisfação e
paz o jovem casal pode usufruir uma vida sexual plena, leve e prazerosa, sem culpas,
medos, conceitos equivocados que, até o início da terapia eram dúvidas que os
atormentavam.
Ou, com que alegria,
satisfação e paz o jovem estudante de teologia seguiu seu noivado com gratidão
e segurança até o casamento, para o qual haviam se proposto manterem-se
virgens. Percebeu que o desejo, as intensas manifestações da sexualidade, não
caracterizavam pecados que o desqualificavam ao noivado e ao casamento, pelo
contrário, mereciam gratidão a Deus, pois indicavam plena saúde e funcionamento
do seu equipamento sensual e sexual, o que poderia ser perfeitamente controlado
até o casamento como desejado, sem nenhum prejuízo físico, moral ou religioso.
Certamente, a vida sexual não
é uma “casca de banana” para que escorreguemos culpados a todo instante, mas
precisa ser conhecida, amadurecida, vivenciada, controlada e até pode ser
suspensa, se for o caso, sem prejuízo físico ou psicológico. O que não é
o caso da fome, da sede e do sono.
Assim, com empatia, estudo,
oração, tentação e meditação fui aprendendo e, maravilhado, me dei conta, junto
das pessoas, do quanto nós estávamos deixando de usufruir com leveza e mais
plenamente uma das maiores e mais notáveis bênçãos de Deus em relação a nós,
suas criaturas. Tudo por abordagens equivocadas, culpa, medo, preconceito e
vergonha em relação ao que Deus não teve vergonha de criar na
formatação, na constituição do nosso: ser humano.
Essa é a origem da presente
reflexão. Já havia abordado esse assunto em inúmeras ocasiões passadas, em congressos,
palestras, encontros, consultório, aulas, cursos, etc. Achei que poderia ser essa
hora oportuna para retomar o assunto, no momento em que esse tema é trazido
amplamente nas mídias sociais, com todo tipo de enfoque, por autores e
palpiteiros sem fim, quase sempre a desmontar, a distorcer, a agredir, a
insultar essa dádiva divina muitíssimo valiosa.
RECORDANDO PENSAMENTOS RELEVANTES
Há 16 anos, no dia 3 de março de
2006, tive a honra de proferir a Aula Inaugural do ano letivo do Seminário
Concórdia de São Leopoldo, RS, sob o tema: Teologia e Psicologia na
perspectiva da misericórdia de Deus, aula que foi publicada na revista Igreja
Luterana em junho de 2006 (v.65, n.1, p.7-18).
Desse conteúdo, transcrevo
alguns pensamentos que considerei relevantes para a presente reflexão e que
aparecem “entre aspas”.
“Detenhamo-nos um pouco mais
nesse assunto, que no ambiente eclesiástico ainda é tão difícil abordar com
naturalidade e abrangência: a sexualidade humana.
Não fomos criados por Deus só
do umbigo para cima. Nosso ser, por inteiro, multifacetado, é criação divina,
e é necessário que cada vez mais lidemos com nossa sexualidade, como uma dádiva
muitíssimo valiosa e maravilhosa, criada e oferecida pela misericórdia de
Deus, devendo ser recebida e vivenciada plenamente, para nossa alegria,
satisfação e prazer.
As manifestações da nossa
sexualidade são, portanto, naturais e precisam ser vivenciadas como tais,
humanamente. Não precisamos combatê-las, mas ir compreendendo-as, progredindo e
completando etapas durante o nosso desenvolvimento. O mal de dar-se um pedaço
de churrasco a uma criancinha sem dentes, não está no churrasco, mas na falta
de dentes da criança.
É necessário ajudar os jovens
a terem uma atitude positiva frente à sua sexualidade. Jesus alerta sobre a
possibilidade de a intenção ser impura, não a sexualidade como tal: “Eu,
porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura,
no coração já adulterou com ela” (Mt 5.28). O alerta de Jesus vale para ambos
os sexos.
Num
dos manuais muito usado na instrução de crianças e jovens confirmandos (em
preparação para receberem a santa ceia), denominado Crescendo em Cristo,
na explicação do sexto mandamento, não adulterarás, pretende-se
discorrer, na forma de perguntas e respostas, também sobre os assuntos casamento
e sexualidade. Duas questões tratam do assunto propriamente dito, uma
alude ao adultério e dez discorrem sobre um ‘misterioso’ assunto em
geral não conversado, às vezes sussurrado, sugerindo que as pessoas, jovens ou
velhos, casados ou solteiros, ‘sejam puros de coração, nos pensamentos e no
falar, que vivam uma vida decente, que se afastem de más companhias e da impureza
que danifica corpo e alma, lembrando que as más ações, mesmo praticadas
secretamente, são vistas por Deus, que é necessário purificar nosso coração com
a Palavra de Deus e que a vigilância, diversões sadias e escolha de bons
companheiros nos auxiliam a viver uma vida casta e decente em palavras e ações’
(em nenhum momento aparece a palavra sexo ou sexualidade).
Por que não incluir um
abrangente parágrafo sobre a beleza, o valor e a importância, do namoro
na escolha do futuro cônjuge em preparação a um matrimônio bem-sucedido, feliz
e agradável a Deus, que o instituiu com o propósito de aliviar a solidão humana?
Por que não incluir outro
parágrafo igualmente abrangente e que trate e leve uma boa e positiva
educação e orientação com respeito à sexualidade?
Assim como fazemos com outras
partes do nosso corpo (pernas, mãos, lábios, etc.), deveríamos também agradecer
de todo coração pelos órgãos genitais e sexuais, por nossa sexualidade sadia,
pela relação sexual legítima e orgástica, plena e prazerosa, através da qual
Deus, inclusive, gera vida.
Ainda é tempo de começar!
SUGESTÃO FINAL
Gostaria
de propor, com toda convicção e humildade, que os responsáveis pelos manuais de
instrução de nossas crianças e jovens (e adultos, por que não?) deslocassem o assunto sexualidade
humana do capítulo Sexto Mandamento, uma vez que sexualidade não é um assunto exclusivo do casamento, porque sexualidade não é somente o ato sexual, mas uma energia que está presente em todo decorrer da nossa vida, desde
que nascemos até o fim, acompanhando todos os dias a vida de todos, inclusive
dos solteiros(as), viúvos(as), separados, desquitados, divorciados (pessoas
que, diga-se de passagem, recebem pouca ou nenhuma orientação nessa área.
Parecem ser seres, talvez, assexuados).
Não
tenho dúvidas, portanto, que essa maravilhosa dádiva do Senhor, junto com o
namoro, casamento, família, etc., teria melhor espaço para ser estudada,
apreendida e compreendida, ficando melhor e mais adequadamente inserida no
contexto do Primeiro
Artigo do Credo Apostólico (cristão): da CRIAÇÃO, que fala da ação de Deus Pai, que nos criou, e de
todas as coisas que ele nos dá, supre todos os dias, para sobrevivência,
alegria, proteção, prazer, inclusive, quando for o caso, protegendo-nos de todo
perigo e do mal”.
Que
Deus Todo-Poderoso nos ilumine para que possamos enxergar, nesses tempos
sombrios, as libertadoras mensagens da sua Palavra e sempre “trazer à memória o
que nos pode dar esperança. As misericórdias do Senhor, são a causa de não
sermos consumidos, por que as suas misericórdias não têm fim, renovam-se cada manhã”
(Lm 3.21,22).
Norberto
E. Heine
Reside em Goiânia, GO
Psicólogo (1981) CRP 07/03949
Primeiro pastor-psicólogo da IELB
Medalha “Christus Dominus” (2017)
norbertoeh@gmail.com
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