Segundo a Revista Crescer, embora
no Brasil não haja dados estatísticos, estima-se que a incidência de transtorno
depressivo gire em torno de 1 a 3% da população entre 0 a 17 anos, o que
significa, mais ou menos, 8 milhões de crianças e jovens. No dia 12 de outubro,
comemora-se o Dia da Criança. O que todos mais querem é que as crianças sejam
felizes e tenham uma infância saudável. Mesmo assim, muitas vezes as crianças
também sofrem com a depressão. O Mensageiro Luterano conversou com a
psicóloga Kamila G. Meister Fukue, da Congregação Castelo Forte – Capela
Universitária, Canoas, RS, para entender um pouco melhor quais são as
características da doença, de que forma identificá-la e como pode ser tratada.
Mensageiro Luterano: O que é depressão? Quais são as
características dessa doença?
Kamila G. Meister Fukue: Depressão NÃO é... frescura nem falta
de fé ou de Deus. Ela é uma doença e, por ser doença, é questão de saúde
pública.
A pessoa com depressão
apresenta um cansaço físico e emocional. Esse cansaço todo mundo sente, a
diferença é que na depressão essa sensação dura a maior parte do dia por no
mínimo duas semanas e vai trazendo prejuízos na sua rotina e relacionamentos.
Fisicamente, deixa de fazer atividades que antes lhe davam prazer; o sono fica
alterado (dorme mais ou dorme menos) e a alimentação também (come mais ou come
menos).
Emocionalmente, a
pessoa sente os “4Ds”: sentimentos de desamparo,
desesperança, desvalor e desamor. Podem surgir pensamentos como “ninguém
pode me ajudar/estou sozinho”; “isso nunca vai mudar” ou “não tem mais jeito”, “sempre
foi assim”; “eu não faço nada certo” ou “tudo o que faço dá errado”, “não sou
amado por ninguém”.
Geralmente a depressão
surge após uma mudança na vida da pessoa (de cidade, casa, emprego,
aposentadoria ou desemprego, estado civil, faculdade, término de um
relacionamento, etc).
A depressão se mantém
conforme a pessoa não trata e vai se desconectando de seus amigos/familiares com
quem costumava conversar, deixa de fazer atividades que lhe davam prazer e de
ir a lugares que frequentava.
Como detectar a depressão infantil? Quais podem ser os
sintomas?
O diagnóstico, só
mesmo o especialista (psicólogo ou psiquiatra) poderá fazer.
Mas todos podemos
observar os sinais:
• na criança bem
pequena (0 a 1 ano), a ênfase é dada também na alteração do sono e da alimentação,
além de cólica, choro, balanço de cabeça;
• na criança mais
crescida (2 aos 4 anos), o isolamento, apatia e comportamento regredido
estariam mais presentes;
• nas crianças mais
velhas (4 aos 8 anos), os problemas de comportamento começam a substituir os
sentimentos depressivos, como os acessos de raiva, desobediência, vadiagem,
fuga de casa, tendência a acidentes, agressividade, comportamento provocativo e
autopunitivo.
Quais são as diferenças entre depressão adulta e infantil?
Os adultos conseguem
expor seus sentimentos e pensamentos deprimidos através da fala, enquanto a
criança, que ainda está com sua cognição em desenvolvimento, vai demonstrar o
que pensa e sente por meio de seus comportamentos. Em crianças, a
irritabilidade pode substituir o humor deprimido. Outra diferença é que a
depressão infantil é mais difícil de diagnosticar, pois as mudanças são
constantes nessa fase. Torna-se bem mais complexo distinguir se um
comportamento (dormir demais ou brincar sozinho, por exemplo) é parte de um
quadro depressivo ou do fator desenvolvimento humano. Por isso a necessidade de
um especialista o quanto antes.
Quais podem ser as consequências de não tratar a depressão
nas crianças?
Assim como a maioria
das doenças físicas, se você não tratar as doenças psíquicas elas vão agravar.
Uma depressão pode evoluir para um quadro de fobias, ansiedade, pânico, pode
desencadear crises com autolesões, automutilação e tentativas de suicídio.
Como pode ser feito o tratamento?
Com psicólogos,
fazendo terapia, e psiquiatras, que dão a medicação adequada. Além de uma
rotina de alimentação, sono e atividades saudáveis.
Para casos de
adolescentes e adultos que não saem de casa, existe a terapia online que é
regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia. Se for o caso, os
responsáveis podem buscar um terapeuta cadastrado no site do CFP e que atenda
online (mais informações no site www.cfp.br).
Como os pais podem lidar com o desânimo e a tristeza dos
filhos?
Nesse contexto, os
pais podem lidar de duas formas, ou se afastar ou se aproximar dos filhos. Os
filhos se afastam quando o que os pais fazem é:
(1) JULGAR: Isso é bobeira,
preguiça, frescura, falta de fé, ruim, feio, “o que os outros vão pensar?”, “falta
de ter o que fazer”, etc.
(2) CONTROLAR: “Sai
daí”, “vai fazer isso e aquilo”, “deu, chega! isso tem que acabar”, “vamos logo
menino”.
(3) NEGAR: “Meu filho
está bem, é só uma fase boba”, ficar em silêncio ou ter conversas apenas
cordiais como: “oi! Tchau! tudo bem? Aham”.
O que pode ser feito
para se aproximar é:
(1) OBSERVAR: O que
mudou? Desde quando está assim?
(2) ENCARAR: Vá falar
com seu filho! Explique as mudanças que você percebeu nele. Pergunte qual foi a
situação que o (a) incomodou, o que sentiu e o que pensou. Controle-se, pai ou
mãe, para não fazer aqui os comportamentos que afastam. Deixe-o falar sem
interromper. Seja empático, conte algo que te desanima também. Abrace ou diga
genuinamente que você se preocupa com ele e pergunte-lhe o que você pode fazer
para ajudá-lo.
(3) AÇÃO: ao invés de
mandar seu filho sair da cama, convide-o para uma caminhada, mesmo que seja até
a lixeira na rua. Seja agradável companhia, e ore com ele e por ele.
Reconheça se você não
puder ajudar: explique para o seu filho que você está tentando, mas talvez não
saiba a melhor maneira de ajudar, e que existem especialistas que podem
ajudá-lo a ter uma vida de bem-estar.
Marque uma consulta
com três psicólogos (para filhos a partir de 13 anos) e escolha aquele com o
qual ele se sentiu mais à vontade. Leve a um psiquiatra, seu filho pode estar
deixando de produzir substâncias importantes no cérebro, e a medicação pode
ajudar nisso.
O que é mais importante na relação entre pais e filhos?
De pais para filhos, é
a responsabilidade. Depois o amor.
De filhos para pais, é
o respeito. Depois o amor.
Um tio ou uma avó pode
amar a criança, mas a responsabilidade em garantir o bem-estar físico, mental,
social e espiritual continua sendo primeiramente dos pais.
Responsabilidade sem
amor vira autoritarismo, punição, lei. A responsabilidade com amor gera graça,
aprendizagem, mudança, compreensão e aproximação.
Como deve ser a relação amar e educar?
Preocupamo-nos demais
em educar para a vida e esquecemos de viver. Vou dar um exemplo pessoal, acho
que fica mais claro. Quando vou brincar com minha filha, seguidamente me pego
dizendo coisas do tipo, “Quando o ursinho pula no cachorro, este sente dor e aí
vai pro hospital... e daí... blablabla…”, e esqueço que aquilo é uma
brincadeira e que o cachorro pode virar um pula-pula/cama elástica, e nós duas
daremos boas risadas juntas. Eu perco o momento de brincar querendo educar,
entende? Nem preciso falar que minha filha sabiamente troca de brincadeira.
Mas é isso. Perdemos
oportunidades de amar. Quando ela gritar comigo, aí sim vejo um momento para
educar.
Depressão pode ser hereditária? Como uma mãe ou pai pode
educar seu filho estando em depressão?
O fator hereditário é
1 de 3 fatores que pode servir de gatilho para a depressão, quando combinado com
outros dois: o ambiental e psicológico (explicados no meu instagram
@psicologakamilafukue).
A depressão paterna ou
materna aumenta em 28% o risco de um filho vir a ter. Se ambos os pais têm,
esse risco é de duas a três vezes maior. É preciso que esse pai ou essa mãe
busque auxílio de especialistas e que faça terapia, acompanhado da psiquiatria
sempre que necessário. Se adoeceram, precisam de tratamento, só assim quebramos
o ciclo da depressão.
Como a igreja pode ajudar uma criança ou alguém outro com
quadro de depressão?
É preciso estar atento
às mudanças de comportamento da criança e, quando necessário, ter uma conversa
franca com os pais, e indicar psicólogos. Os professores da Escola Bíblica
infantil podem registrar essas mudanças de comportamento, como por exemplo,
agressividade, isolamento, desobediência, no diário de classe. O objetivo não é
rotular, mas acompanhar o desenvolvimento da criança.
Criar um espaço na
aula para as crianças falarem dos seus sentimentos (sem julgar feio, bonito,
bom ou ruim) pode ajudar. Orar com eles pelos sentimentos mais difíceis ou desconfortáveis
de sentir, também é uma forma de demonstrar empatia e acolher a dor.
A igreja pode ajudar
quando transforma amparo, esperança, amor e valor em comportamentos. Você pode orar COM a pessoa, e não somente
por ela. Pode se dispor a acompanhá-la ao psicólogo ou psiquiatra. A igreja
pode ter cartões destes profissionais na recepção, e até das universidades que
disponibilizam atendimento psicológico gratuito à comunidade.
A igreja ajuda quando
se torna um ambiente de acolhimento da dor, sem julgar, controlar ou negar esta
dor. E se você precisa de uma direção, olhe para Deus que nos AMPARA, nunca nos
abandona e jamais nos deixa (Hb 13.5), mesmo dentro de um grande peixe, ou
embaixo de uma macieira. Ele dá a ESPERANÇA da vida sem dor nem choro, a Nova
Jerusalém. Deus, por AMOR envia seu filho e enche a nossa vida de VALOR,
tornando-nos filhos seus.
Kamila
é membro da Congregação Castelo Forte, Canoas.
Psicóloga
CRP 07/28444 Contatos: (51) 99686-1680
kamilafukue.psico@gmail.com
@psicologakamilafukue
Daiene Bauer Kühl
Equipe Editora Concórdia