Ezequiel
é bastante conhecido entre nós – como nome. No Brasil, é um nome bem mais
popular do que Jeremias, embora menos usado do que Isaías. No entanto, se estivermos
interessados em Ezequiel, o profeta do Antigo Testamento, veremos que é, em
grande parte, um ilustre desconhecido. De Isaías podemos dizer que é “o
evangelista do Antigo Testamento”. Jeremias é chamado de “profeta chorão”. E
como vamos caracterizar o profeta Ezequiel? Seria o profeta mudo? O excêntrico?
O profeta esquecido? Na verdade, há muito que aprender com Ezequiel. Em tempos
de “casa rebelde”, isto é, de gente que não quer ouvir, ele tem algo a nos
dizer também sobre a comunicação da Palavra de Deus.
O Ezequiel
da liturgia
A mensagem do profeta Ezequiel não é
totalmente desconhecida entre nós. Na igreja, em vários momentos, lemos os
seguintes trechos: Ezequiel 17.22-24 (“Uma promessa de restauração”), Ezequiel 18.1-4,25-32
(“A responsabilidade é pessoal”), Ezequiel 33.7-20 (“O dever do verdadeiro
atalaia”), Ezequiel 34.11-24 (“O cuidado de Deus pelo seu rebanho”), Ezequiel 37.1-14
(“A visão de um vale de ossos secos”). No entanto, este é um Ezequiel editado.
E isso leva a perguntar: “Qual o verdadeiro Ezequiel?” Chegaremos mais perto,
se lermos o livro como um todo.
Singularidades
e trechos difíceis
Ezequiel faz uso de linguagem
difícil. Somando isso aos assuntos que são tratados, o livro desse profeta bíblico
nos parece estranho e enigmático. Há quem diga que é o livro mais enigmático da
Bíblia. (Muitos pensam que é o Apocalipse.) Quando a gente começa a ler
Ezequiel, tudo muda, porque ele é único. Aliás, na Bíblia não existem dois
livros iguais. Também não há dois profetas exatamente idênticos. Um dos trechos
bíblicos mais difíceis de entender (ou visualizar) é a parte final de Ezequiel,
os capítulos 40 a 48. Ali aparece a descrição de uma planta baixa de um prédio
(o novo Templo), sem que se tenha um desenho em mãos. É claro que estudiosos
fizeram desenhos, mas, mesmo olhando para uma ilustração dessas, não é nada
fácil visualizar aquela sequência de átrios, portões, vestíbulos, escadas etc.
Além disso, temos ainda palavras chocantes
e trechos que soam ofensivos. Ezequiel se dirige ao povo de Deus, que, em
parte, já estava no cativeiro, na Babilônia, cinco séculos antes de Cristo. O
problema daquele povo de Deus do passado era a idolatria. Era um tempo bem
diferente do atual, marcado por agnosticismo e indiferença espiritual. No mundo
bíblico não havia ateus; havia, sim, um excesso de deuses. Ezequiel tem tanto
nojo dos ídolos que os chama de “montinhos de esterco” (ver Ez 6.4; em hebraico,
guillulim; nossas traduções dizem apenas “ídolos”). Além disso, na Bíblia,
a idolatria é muitas vezes descrita como prostituição espiritual. Dentro desta
linha de pensamento, e para acordar os seus ouvintes, Ezequiel emprega descrições
chocantes, que podem até ser descritas como “material não recomendado para
menores de 14 anos”. Refiro-me aos capítulos 16 e 23. No entanto, se colocarmos
uma tarja sobre o capítulo 16, por exemplo, ficaremos sem uma das mais belas
descrições bíblicas do amor incondicional e ilimitado de Deus, que é Ezequiel
16.1-14!
Profeta
cantor
Um texto em Ezequiel deixa entrever que os profetas
de Israel tinham muito de músicos e cantores repentistas. Em 2Reis 3.15, por
exemplo, Eliseu, ao ser consultado a respeito de uma palavra da parte de Deus,
pediu a presença de um músico. E o texto continua: “Enquanto o músico tocava, o
poder de Deus veio sobre Eliseu”. No caso de Ezequiel, veja este texto de Ezequiel
33.30-33: “Quanto a você, filho do homem, os filhos do seu povo falam de você
junto às paredes e nas portas das casas, dizendo um ao outro, cada um ao seu
irmão: ‘Venham, vamos ouvir a palavra que procede do SENHOR’. Eles vêm até
você, como o povo costuma vir, assentam-se diante de você como meu povo e ouvem
as suas palavras, mas não as põem em prática. [...] Para eles você não passa de
alguém que canta canções de amor, tem uma bela voz e é um bom músico, porque
ouvem as suas palavras, mas não as põem em prática. Mas, quando isso vier – e
certamente virá –, então saberão que um profeta esteve no meio deles”. Hoje, as
pessoas dizem: “Como ele prega bem!” Mas a pregação não faz diferença na vida
de muitos.
Profeta
mudo e ator de teatro de rua
Um dos aspectos interessantes do
ministério de Ezequiel é que ele ficou mudo durante um longo tempo (veja Ez 3.26
e 23.21-22), a não ser quando tinha uma palavra de Deus a proclamar (Ez 3.27). Este
poderia ser um bom modelo para os ‘profetas’ de hoje, sempre prontos a opinar
sobre todas as questões contemporâneas. Deveriam calar, falando apenas quando a
mensagem é “Assim diz o SENHOR Deus!”
Não necessariamente para compensar o
mutismo, Ezequiel tinha mensagens encenadas, mais ou menos como um ator de teatro
de rua. Veja, por exemplo, este trecho de Ezequiel 12.3-6: “Filho do homem,
prepare a bagagem de exílio e durante o dia, à vista deles, vá para o exílio. Do
lugar onde você está, vá para outro lugar, à vista deles. Talvez eles
entendam, embora sejam casa rebelde. À vista deles, durante o dia, traga
para fora a sua bagagem de exílio. Depois, à tarde, saia, à vista deles, como
se estivesse indo para o exílio. Abra um buraco na parede, à vista deles, e
saia por ali. À vista deles, ponha a bagagem nos ombros e saia com ela quando
já for escuro. Cubra o rosto para que você não possa ver o chão, porque eu fiz
de você um sinal para a casa de Israel”. E, mesmo que o povo não tivesse
perguntado o motivo daquele ato, Deus pediu que Ezequiel explicasse: “Diga: Eu
sou um sinal para vocês. Como eu fiz, assim será feito com eles; irão para o
exílio, para o cativeiro” (Ez 12.11). Ezequiel acaba por redefinir a famosa frase
de Marshall McLuhan: “O meio é a mensagem”. (Veja também Ez 4.1-8;
5.1-4,11-12.)
Ezequiel
como contador de parábolas
Em Ezequiel 20.49, o profeta faz
algo que o aproxima de seu colega Jeremias: ele se queixa diante de Deus.
Ezequiel desabafa: “Ah! Senhor DEUS! Eles ficam dizendo que eu só sei contar
parábolas!” E, de fato, há um grande número de parábolas no livro de Ezequiel.
Mas parábolas não são sempre as parábolas “de Jesus”? Jesus contou parábolas
como mais ninguém, mas ele não foi o primeiro. Natã tinha uma parábola para
Davi (2Sm 12), e Ezequiel é mestre contador de parábolas.
Uma dessas parábolas é leitura
prevista para um dos cultos, na Série Trienal B (Ez 17.22-24). Trata-se de uma
promessa de restauração, em que a ponta de um cedro (o renovo) anuncia a restauração
do povo exilado e, num momento posterior, a vinda do reino de Deus (Mc 4.30-32).
Os textos chocantes dos capítulos 16 e 23 são, na verdade, parábolas
estendidas, apresentando de modo figurado a história do povo de Deus, em
especial a sua rebelião contra Deus. Os capítulos finais (Ez 40-48) são uma
longa parábola em que se fala da restauração do Templo de Deus, que se cumpriu
(e ainda espera cumprimento pleno) na obra de Cristo, o novo Templo (Jo 2.21).
A lista de parábolas é longa, mas
uma das minhas favoritas é a parábola do leão enjaulado, em Ezequiel 19. É uma
lamentação sobre os príncipes (reis) de Israel. A leoa nessa história é o reino
de Judá e os leõezinhos são os reis Joacaz e Joaquim, que foram levados ao
cativeiro (ver 2Rs 23.31-34 e 24.15). Este é o texto: “Que bela leoa entre os leões era
a sua mãe! Deitada entre os leõezinhos, criou os seus filhotes. Criou um dos
seus filhotinhos, que, ao se tornar um leãozinho, aprendeu a despedaçar a
presa; chegou a devorar gente. Quando as nações ouviram falar dele, o apanharam
na cova que fizeram, e ele foi levado com ganchos para a terra do Egito. Vendo
frustrada e perdida a sua esperança, a leoa pegou outro dos seus filhotes e o
fez leãozinho. Este, andando entre os leões, veio a ser um leãozinho e aprendeu
a despedaçar a presa; chegou a devorar gente. Destruiu palácios e arrasou
cidades. A terra e os seus moradores ficaram assustados, ao ouvirem o seu
rugido. Então se ajuntaram contra ele os povos das províncias vizinhas. Estenderam
sobre ele a rede, e ele foi apanhado na cova que fizeram. Com ganchos,
meteram-no dentro de uma jaula e o levaram ao rei da Babilônia. Deixaram-no
preso, para que nunca mais se ouvisse o seu rugido nos montes de Israel” (Ez
19.2-9). Um texto sensacional! (Para mais parábolas, veja os títulos de seção em
edições da Bíblia. Cito Ezequiel
15.1-8: “A videira inútil”; 17.1-21: “As duas águias e a videira”; 24.1-14: “A
panela”.)
Profeta
da esperança
Ezequiel foi também um profeta que apontou para
o futuro. Anunciou a vinda do Messias, um “novo Davi”, que seria pastor e rei (Ez
34.23-24; 37.24-25; ver paralelos em Jr 23.5-6 e Jo 10.11). Anunciou a
restauração do povo de Deus, por meio do Espírito Santo (Ez 37). Essa restauração
pressupõe uma transformação do povo, um novo coração (Ez 36.22-32).
Lições
que Ezequiel ensina
Além de nos pregar lei e evangelho,
Ezequiel tem lições a ensinar à igreja e seus pregadores. Faço uma breve lista:
1. Falar mesmo que não
queiram ouvir, para que saibam que houve um profeta no meio deles. 2. A
responsabilidade da atalaia é avisar.
3. Como igreja e
pregadores, falar sempre (e só) a Palavra de Deus.
4. Usar todos os meios
disponíveis, inclusive parábolas faladas e parábolas encenadas.
5. Não ter medo de
‘acordar’ os ouvintes.
Fica claro que, para descobrir esse Ezequiel,
precisamos ir além do Ezequiel editado, que aparece nas leituras feitas no
culto. Minha sugestão é que você leia o livro de Ezequiel de ponta a ponta. De
preferência, numa tradução que você nunca leu antes. Recomendo a Nova Almeida
Atualizada.
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