Nesta coluna, estamos
fazendo o elogio do ócio, e nunca é demais lembrar que estamos nos referindo ao
ócio em seu melhor sentido, o clássico skholé:
a festiva abertura e disponibilidade da alma, condição para o filosofar (e
educar), para o pensamento e até para o relacionamento com Deus, como diz o Salmo
46.10: “Aquietai-vos (skholasate), e sabei que eu
sou Deus”.
Como temos visto, esse
ócio-skholé – em sua recusa ao totalitarismo do trabalho e do
pragmatismo – integra-se em um complexo de outros fatores para compor o quadro
da Educação Clássica (e da própria Antropologia Filosófica, a concepção de
homem), a que o autor a quem seguimos neste artigo, Jean Lauand (titular de
Filosofia da Educação da USP e professor colaborador do Colégio Luterano),
chama de Pedagogia da Admiração: a educação voltada para o mirandum (aquilo que suscita a admiração);
a abertura para a totalidade do real, transcendendo os estreitos limites do
saber especializado; o senso do mistério da realidade criada, etc.
Essa pedagogia não nos
aliena do mundo das realidades cotidianas; pelo contrário: é a única que
permite que nos aprofundemos em seu conhecimento.
Comecemos por um
episódio que Aristóteles considera emblemático. Um grupo de estrangeiros viajou
a Éfeso com o objetivo de observar o grande sábio Heráclito. Espiando pela
janela, tiveram a decepção de vê-lo prosaicamente aquecendo-se junto ao fogão.
Heráclito animou-os a entrar, dizendo: “Mesmo aqui, no forno, os deuses estão
presentes”. Não se trata de uma mera concessão. Heidegger, aprofundando no
episódio, conclui: “Quando o pensador diz ‘Mesmo aqui’, junto ao forno, vigora
o extraordinário, quer dizer na verdade: só aqui há vigência dos deuses. Onde
realmente? No inaparente do quotidiano”.
O verdadeiro mirandum (esse ad-mirar que
literalmente é “ver com outros olhos”), não está no extraordinário e menos
ainda no estapafúrdio, mas na realidade mais cotidiana e “vulgar”. É o que, em
uma de suas conferências, expressou a grande poeta brasileira Adélia Prado:
“– Essa insistência
no quotidiano é porque a gente só tem ele: é muito difícil a pessoa se dar
conta de que todos nós só temos o quotidiano, que é absolutamente ordinário
(ele não é extra-ordinário); o quotidiano da rainha da Inglaterra deve ser tão
insuportável quanto o de uma lavadeira [...] E eu tenho absoluta convicção de
que é atrás, através do quotidiano que se revelam a metafísica e a beleza; já
está na Criação, na nossa vida [...] O nosso heróico, o nosso heroísmo é deste
quotidiano... nossa vida é linda: o quotidiano é o grande tesouro, como diz um
filósofo [Josef Pieper]: admirar-se do que é natural é que é o bacana;
admirar-se desta água aqui, quem é que se admira da água, a que estamos tão
habituados? Mas a alma criadora sensível, um belo dia se admira desse ser
extraordinário, essa água que está tremeluzindo aqui na minha frente e, na
verdade, eu não entendo a água, eu não entendo o abacaxi, eu não entendo o
feijão. Alguém aqui entende o feijão? Admirar-se de um bezerro de duas cabeças,
qualquer débil mental se admira, mas admirar-se do que é natural, só quem está
cheio do Espírito Santo. Eu quero essa vidinha, essa é que é a boa, com toda a
chaturinha dela e suas coisas difíceis... O quotidiano tem para mim esse
aspecto de tesouro”.
Essa pedagogia – na
vida e na escola – não pode ser obtida por “medidas curriculares”, mas só por
uma atitude interior do educador (e do educando): a skholé!