21/10/2022 #Estudos #Editora Concórdia #Exclusivo Assinantes
Deus se esconde atrás da dádiva da autoridade
Lutero foi um professor de Bíblia. Sua área de concentração era o Antigo Testamento.
Ler mais O ser humano sempre vive e passa por diversas situações: tempos difíceis, sentimentos de culpa, doenças e muitas mágoas. E as perguntas continuam a serem feitas:
por que isso acontece comigo? O
que eu fiz para merecer tanta angústia? Será que ainda existe alívio e consolo
no meu caso?
Esse tipo de questionamento sempre houve e sempre haverá, pois a realidade não pode ser
negada: sofremos, necessitamos de consolo e encorajamento. Em razão disso, várias denominações religiosas se aproveitam das pessoas para fazer do consolo o seu “produto de mercado”, onde oferecem prosperidade, cura, paz, tudo em troca de bens
e dinheiro. Muitos pregam e falam apenas o que as pessoas gostam de ouvir. Diante dessa realidade, há uma pergunta a ser feita: de acordo com a Palavra de Deus, esse é o verdadeiro consolo?
Bem, nesse contexto e
no mês de aniversário da Confissão de Augsburgo (um dos documentos
confessionais resultantes da Reforma), é bom abrirmos o nosso Livro de Concórdia (o conjunto das
nossas confissões doutrinárias), mais especificamente sobre o artigo V da
Fórmula de Concórdia, para vermos o que ele nos diz a respeito do que devemos
anunciar. Os confessores afirmam “que a
distinção entre lei e evangelho, como luz especialmente gloriosa, deve ser
mantida com grande diligência na igreja”[1]
.
Infelizmente,
muitas denominações religiosas caíram no perigo chamado Antinomismo.
Antinomismo pode ser entendido de várias formas, mas no Artigo V ele possui um
fundo histórico ligado a uma das Controvérsias da época (1527-1556) – de um grupo
que quer defender a liberdade cristã eliminando inteiramente a pregação da Lei
da igreja e do púlpito. Klug e Stahlke, de forma muito clara, explicam o que é
antinomismo: “O significado fundamental de ‘Antinomismo’ é oposição à Lei. No
campo teológico, esta ‘anti-Lei’ se opõe à Lei de Deus com uma força contínua
na vida do crente. A teoria é que, uma vez que o homem tenha sido regenerado e
chegado à fé, já não necessita dos mandatos e ameaças da Lei. A verdadeira
contrição e arrependimento, mesmo o conhecimento do pecado, assim se pensa, é
obra unicamente do Evangelho. Ao experimentar a bondade e a misericórdia de
Deus, o regenerado tem motivo suficiente para sentir pesar por seus pecados e
arrepender-se”[2]
.
A
teologia bíblica não concorda com o antinomismo, mas cremos, ensinamos e
confessamos que a Palavra de Deus se dá através da Lei e do Evangelho e assim
deve ser mantido e pregado sempre na igreja, mas em ordem certa e com a devida
distinção[3]
.
Para que serve a Lei?
Aprendemos no Catecismo Menor que a Lei serve para um
fim triplo: 1°: Mantém a ordem e a
honestidade exterior no mundo (freio); 2°: Ensina aos homens a reconhecerem os pecados (espelho); 3°: mostra ao regenerado quais são as boas obras
(norma).
Para que serve a Lei?
É uma pergunta ampla, mas aqui deve ser entendida como aquela que tem a função
de ensinar ao povo a reconhecer a sua maldade (espelho).
Lutero, em uma de suas
Conversas à Mesa, em 1541, relatou
sobre o pecado original: “Nós teríamos uma vida bem-aventurada, se não fosse o
pecado original. Nosso Senhor Deus diz: faça aquilo que lhe ordeno e deixe-me
reger. Mas nós queremos ser Deus e queremos reger. Então por nossa causa e
nossas ações, que toda a desgraça e tormento sobrevêm a nós”[4]
.
A Lei, além de mostrar
que nada merecemos senão a condenação eterna, também nos diz que os sofrimentos
da vida presente não são acidentes, mas o normal. Tudo o que a Lei (em um de
seus usos) nos mostra é a realidade do ser humano, é o desespero.
Para que serve o Evangelho?
O Evangelho (a Boa
Notícia) apresenta o Verbo Encarnado (Jo 1.14), pois ele é a promessa de Deus
em Gênesis 3.15, que nasce para ser o Emanuel, o Deus Conosco, que vem com a
missão de salvar e estar com o pecador destruído pela Lei.
Lei e Evangelho é pressuposto bíblico
Apenas um exemplo a
ser citado é Paulo. A sua vida foi de sofrimento, e em 2Coríntios 11.24-28 ele
descreve uma enorme lista das dificuldades que passou na vida, mas mesmo assim
ele diz: “Bendito seja o Deus e Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação.
É Ele que nos conforta em toda a nossa tribulação...” (2Co 1.3,4a). Paulo, mesmo passando por momentos complicados, soube
enfatizar a mão de Deus como a origem do verdadeiro consolo; ele sabia e sentiu
na própria pele todo tipo de tribulações, mas ouviu de Deus: “A minha graça te
basta” (2Co 12.9).
A grande verdade é que
as pessoas olham para a Igreja em busca de consolo. Será que estamos levando consolo ou estamos piorando a situação?
Walther, em seu tempo,
percebeu o que hoje ainda continua acontecendo na proclamação da Palavra de
Deus. Ele diz: “O confundir Lei e
Evangelho que é comum entre as seitas em nada mais consiste do que eles
instruírem pecadores desesperados a conquistar seu caminho para a graça através
de oração e luta interior, até que sintam a graça morando neles, em vez de
levá-los à Palavra e Sacramentos”[5]
.
No momento em que
Igreja faz isso (mistura, omite ou enfatiza mais Lei do que Evangelho), ela não
é proclamadora do verdadeiro consolo que provém de Deus, pois está enfatizando
a obra humana para alcançar a graça. Isso não é bíblico.
O papel da Igreja não
é cair no antinomismo, não podemos descartar a Lei. Quando se entra no jogo do
antinomismo, está se deixando de falar em pecado. Aí está o grande perigo, pois
sem a doença, não há cura; sem a Lei, o Evangelho não tem sentido.
O papel da Igreja é jamais perder de vista as duas grandes verdades da Escritura: a absoluta perdição do ser humano (Lei), mas ao mesmo tempo a obra de Cristo em favor do perdido (Evangelho). O verdadeiro Evangelho não se destaca sozinho, mas se destaca a partir da Lei; somente se dá valor ao Evangelho quando se está sob o efeito pesado da Lei. Enquanto que a Lei mostra a doença e escancara quem realmente é o ser humano e o que ele merece (morte, desespero), o Evangelho dá a cura, o perdão e o consolo.
Cremos, ensinamos e
confessamos a distinção entre Lei e Evangelho, pois “a tua ruína, ó Israel, vem
de ti, e só de mim, o teu socorro” (Oséias 13.9). Sendo assim, o papel da
Igreja não é o de pregar ou Lei ou Evangelho. Mas pregar ambos – Lei e
Evangelho.
LIVRO DE CONCÓRDIA. Trad. Arnaldo Schüler. 5 ed. Porto Alegre e São Leopoldo: Concórdia e Sinodal, 1997, p.515 (#2).
[2] [2]
KLUG, Eugene F; STAHLKE, Otto F. 1977,p.43. Texto original: “The root meaning of “antinomianism”
is opposition to the Law. In the theological arena this “anti-Law” stance
opposes the Law of God as a continuing force in a believer’s life. The theory
is that, once a man is regenerate and has come to faith, he no longer has need
for the Law’s punishing directives. True contrition and repentance, even
knowledge of sin, so goes the thinking, are worked by the Gospel only. By
experiencing the kindness and mercy of God the regenerate man is caused to
grieve over his sins and repents.”
[3] LIVRO DE CONCÓRDIA. 1997, p.601 (#15).
[4] LUTHER, Martin. Tischreden. 1960, p.92.
[5] WALTHER, Carl F. W. A correta distinção entre lei e evangelho. Trad. Marie L. Heimann. Porto Alegre: Concórdia, 2005, p.144.
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